A acachapante derrota de João Doria na votação da Executiva Nacional do PSDB que decidiu manter o deputado Aécio Neves (MG) no partido está sendo comemorada pelos adversários do governador paulista como um golpe que irá moderar seu apetite por poder dentro da sigla.

Fotos: Agência Brasil/EBC

 

Um dos organizadores do movimento que salvou Aécio afirma, sob reserva, que a toxicidade do mineiro já cobrou todo o preço que poderia no péssimo desempenho nacional do PSDB em 2018. Segundo esse raciocínio, impor limites a um cada vez mais poderoso Doria seria imperativo.

Pode ser, mas o histórico da dinâmica interpessoal entre o governador e integrantes das alas mais antigas do tucanato parece implicar outra coisa: um caminho de rompimento. A pergunta que se deve fazer agora é outra: estará o PSDB disposto a isolar seu único ativo eleitoral nacional?

Presidenciável de primeira hora para 2022, Doria tem comandado o governo paulista de forma obsessiva, com anúncios diários de programas e divulgação de estatísticas favoráveis. Virou líder “de facto” da bancada de governadores do partido, integrada por Eduardo Leite (RS) e Reinaldo Azambuja (MS).

Ao mesmo tempo, o tucano se digladia com a difícil missão de dissociar-se do governo de Jair Bolsonaro (PSL). Como se sabe, mirando eleitorados semelhantes, Doria amparou-se no voto “BolsoDoria” para bater Márcio França (PSB) no difícil segundo turno do ano passado. Aquela camiseta amarela não desbotará facilmente.

Assim, o governador alterna apoio a políticas que considera corretas do presidente a críticas pontuais cada vez mais duras no tom. A dicotomia está sendo explorada pelos adversários de Doria, a velha guarda paulista do partido à frente, aliada a líderes regionais e aecistas no caso específico da reunião da Executiva na quarta (21).

A disputa já havia começado na segunda (19), quando dois expoentes da velha guarda, o ex-presidente nacional José Aníbal e o ex-presidente paulista Pedro Tobias, protocolaram um pedido de impugnação da filiação do deputado Alexandre Frota -o ex-ator pornô fora expulso pelo PSL por criticar Bolsonaro e Doria rapidamente o capturou como prêmio na disputa com o Planalto.

A intenção foi glosada por Marco Vinholi, o presidente estadual do PSDB apadrinhado por Doria, que considerou o pedido inócuo politicamente, mas o arquivou argumentando que o diretório paulista não era a instância adequada.

Assim, a dupla voltou à carga e protocolou pedidos em Cotia, onde Frota tem domicílio eleitoral, e na Executiva Nacional, instância onde Doria sabe que não terá vida fácil após a derrota de quarta. A diferença aqui é que Bruno Araújo, o presidente nacional, tem se manifestado reservadamente em favor da filiação de Frota.
Seja como for, o atrito está colocado e a acomodação pós-eleição que a velha guarda havia feito com Doria, encerrada. Há alguns caminhos para o que ocorrerá a seguir.

É provável a manutenção da queda de braço, com o caso Frota renovado como próxima disputa. Pesa muito contra Doria em nível nacional o baixíssimo nível dos ataques pessoais que o deputado fizera em 2018 contra o presidenciável tucano Geraldo Alckmin, conforme registrado em vídeo que a Folha revelou na sexta (16).

A interlocutores o ex-governador paulista, que está silencioso no caso, dá a entender que quer ver o ex-protegido Doria em apuros. Vingança, como diz o clichê, é um prato que se come frio.

O governador, contudo, conta com o peso de seu cargo, o maior do país após o do presidente. Há alguns pontos a considerar: mesmo a resistência na Executiva passou também pelo fato de que nem todos os simpáticos a Doria acham boa estratégia brigar com o Planalto tão cedo, dado que alianças municipais passam pelo bolsonarismo e estados temem retaliações financeiras federais.

Há espaço para manobra, portanto. A falta de opções nas hostes opositoras a Doria é um fator a seu favor, e ele conta com um trunfo que nem Alckmin, nem a velha guarda têm: saídas alternativas.

A principal é uma aliança com o DEM do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, formando um novo partido já para as eleições municipais do ano que vem. Isso implicaria um racha no PSDB hoje, e Doria levaria boa parte da sigla. Não é um plano A para o tucano: este seria a fusão integral das duas agremiações, que ficaram mais fortes, enquanto um cisma tucano invariavelmente traria traumas.

Mas aí aliados de Doria perguntam quem seria mais forte: o governador com uma sigla para chamar de sua de fato, vitaminada por penetração em locais como a populosa Bahia via a liderança de ACM Neto, ou um PSDB extirpado de puxadores de voto? Em tempo, hoje o prefeito de Salvador se diz contrário à ideia, mas muitos veem nisso só estratégia de valorização.

Neste caso, o “wild card”, a surpresa imprevisível, seria a realização de um sonho de Fernando Henrique Cardoso: atrair o apresentador global Luciano Huck a filiar-se a esse PSDB remanescente. Hoje Huck tem se movimentado fortemente pelo país, dando a impressão que poderá fazer diferente de 2017 e entrar no jogo político, algo que FHC sempre estimulou.

Quem conhece o apresentador supõe que ele teria muita dificuldade de fazê-lo numa sigla desgastada como a dos tucanos, contudo, além dos fatores financeiros de sempre -ele e a mulher, a apresentadora Angélica, perderiam os milhões que ganham na Globo.

Seja qual for o desfecho da disputa atual, e ele passa pela organização do campo eleitoral da sucessão do prefeito Bruno Covas (PSDB) em São Paulo, hoje o tucanato parece caminhar para algo pouco usual em sua história de 31 anos: terá de escolher em qual lado do muro ficará. O custo da indecisão está no horizonte de 2022.

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Derrota em caso Aécio anima adversários de Doria, mas sinaliza ruptura no PSDB

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