A Justiça Federal do Paraná suspendeu, na segunda-feira (5), as licenças ambientais concedidas para implantação de cerca de 1.000 km de novas linhas de transmissão de energia elétrica no estado.
Para a passagem das torres, estavam sendo derrubados cerca de 220 campos de futebol de vegetação nativa, incluindo 4.000 araucárias, árvore símbolo do Paraná e ameaçada de extinção. O projeto corta cerca de 25 municípios e ainda passa pela Escarpa Devoniana, formação protegida do território paranaense.
Na decisão liminar, a juíza Silvia Salau Brollo determinou ainda que a empresa responsável pelo projeto, a Gralha Azul Transmissão de Energia, ligada à multinacional francesa Engie, suspenda a derrubada de vegetação da mata atlântica, sob pena de multa diária equivalente a 1% do valor do contrato de concessão com a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). A obra é estimada em R$ 2 bilhões.
Um dos autores da ação civil pública contra o empreendimento é o Observatório Justiça e Conservação (OJC), que encomendou um estudo de especialistas da Universidade Federal do Paraná (UFPR) para medir os impactos da obra. Eles apontam irregularidades nas licenças e nos estudos de impacto apresentados pela Engie aos órgãos de controle.
Um dos questionamentos do OJC é sobre o fatiamento do licenciamento em áreas que abrangem menos de 50 hectares de vegetação nativa, apesar de a obra toda impactar uma área bem maior, que demandaria autorização do Ibama para a derrubada e não apenas do órgão ambiental do Paraná, o Instituto Água e Terra (IAT).
A juíza concluiu, então, que a divisão do projeto foi indevida. “O Ibama deveria ter sido formalmente ouvido no procedimento administrativo conduzido pelo IAT e as autorizações para supressão da vegetação jamais poderiam ter sido concedidas”, ressaltou na liminar.
Em nota, o IAT informou que ainda não foi intimado da decisão, mas que irá recorrer, pois considera que o licenciamento foi regular. O Sistema de Transmissão Gralha Azul afirmou que aguarda intimação judicial para se pronunciar sobre a liminar.
Para os especialistas, além do fatiamento indevido, os pedidos da empresa junto aos órgãos responsáveis pelas licenças desconsideram vários impactos do empreendimento. Eles teriam sido feitos “para cumprir tabela”, na visão de Eduardo Vedor, doutor em geografia e um dos autores do estudo. A Engie nega as acusações.
O traçado das linhas é um dos principais questionamentos dos ambientalistas. A empresa teria evitado passar por terrenos privados, o que demandaria indenização aos proprietários.
No Paraná, resta menos de 0,8% de área contígua e bem conservada de araucárias, associadas ao bioma mata atlântica. A área ocupada pela espécie cobria originalmente 200 mil km². O estado abriga o Parque Nacional dos Campos Gerais, maior floresta de araucárias protegida no mundo.
Outra área impactada é a do turismo. O estudo da UFPR aponta que o cenário paisagístico da região pode ficar comprometido. Para os ambientalistas, houve ainda negligência na análise de impactos em outras esferas, como a do patrimônio arqueológico e das comunidades tradicionais, indígenas e quilombolas, do local.
Para o diretor-executivo do OJC, Giem Guimarães, falta também maior debate do projeto com a sociedade. “Batizar esse projeto de Gralha Azul é uma afronta ao povo do Paraná. Esse obscurantismo dos governos é o verdadeiro ‘passando a boiada'”, disse, citando a frase do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.
Já a Engie, vencedora do leilão de 2017 da Aneel, destaca o valor do investimento, de R$ 2 bilhões -em parte financiado pelo BNDES-, e a geração de 4.000 empregos diretos pela obra, além do reforço na energia da região, o que deve favorecer indústrias e o agronegócio.
A multinacional disse ter se empenhado para reduzir o impacto ambiental por meio de técnicas de engenharia e afirmou ter buscado desviar de áreas de preservação no traçado. Também assegurou que todas as licenças foram obtidas de acordo com as leis.
A Engie afirmou ainda que todos os impactos gerarão compensações ambientais e que apresentou ao IAT propostas para cada área, ainda aguardando validação.
“Detratores de projetos ou antagonistas de qualquer tipo utilizam como primeira alegação a falta de transparência, uma acusação muito vazia. Não conheço processo tão democrático, transparente e até exigente como o processo de licenciamento de infraestrutura no Brasil”, finalizou Gil Maranhão, diretor do grupo Engie.
A previsão inicial da empresa é de que a obra fique pronta em cerca de um ano.