Metade das pessoas abordadas por policiais com base em atitudes suspeitas de tráfico de drogas é negra no Brasil, enquanto 20% é de brancos. É o que mostra uma nota técnica do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) divulgada nesta terça-feira (31).
O levantamento analisou 28,8 mil ações criminais por tráficos de drogas com decisões terminativas no primeiro semestre de 2019. Ao longo do período foram mais de 41 mil réus indiciados, denunciados ou sentenciados.
A cor não foi registrada em 30% dos casos – os pesquisadores consideraram como negros a soma de pretos e pardos. Indígenas e amarelos somam sempre menos de 1%.
Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) do ano passado, 42,8% dos brasileiros se declararam como brancos, 45,3% como pardos e 10,6% como pretos.
O estudo foi realizado em parceria com a Senad/MJSP (Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos do Ministério da Justiça e Segurança Pública).
De acordo com a pesquisa, os locais de abordagem mais frequentes foram as vias públicas e as residências dos suspeitos. Em ambos, a proporção de negros é maior que a de brancos: 53% a 20% no primeiro caso, 45% a 21% no segundo. Os negros também são a maioria em denúncias anônimas (46% ante 22% de brancos).
“Os dados reforçam que existe uma seletividade das pessoas que ingressam no sistema judiciário”, afirma Natalia Amorim Maciel, autora do estudo ao lado de Milena Karla Soares.
No total dos processos analisados, em 46% o suspeito é negro, contra 21% em que é branco.
“É preciso considerar ainda que o tráfico é sem dúvida o crime que mais prende no Brasil. Os legisladores, ao darem brecha na prática para a polícia definir quem é traficante e quem é usuário, ignoraram o racismo estrutural que contamina também as instituições brasileiras”, afirma o advogado Jorge Ferreira.
“Aí está o resultado, a cor da pele no Brasil é determinante para definir se quem é abordado pela polícia no Brasil, será ou não processado por tráfico de drogas”, afirmou ele.
O levantamento também apontou que em casos de abordagens a domicílio feitas sem uma autorização judicial, 46% dos alvos são negros, contra 21% que são brancos. Já quando a ação é feita com mandato judicial, os números se aproximam, com 35% de negros, contra 30% de brancos.
“A realidade que temos hoje é que as apreensões são, em regra, de quantidades baixas de droga, feitas por meio de incursão a domicílios sem mandado judicial”, diz a antropóloga Yasmin Rodrigues, pesquisadora do núcleo de Justiça Racial e Direito da FGV (Fundação Getulio Vargas).
A nota técnica, do IPEA, aponta que apenas 2% dos réus frequentaram, pelo menos, um ano de ensino superior. Por outro lado, 67% deles não concluíram o ciclo da educação básica, composta pelos ensinos fundamental e médio.
“O suspeito padrão tem sido o jovem negro com pouco acesso à educação e esse é o plano perfeito para produzir índices de eficácia quando o que se entende por eficácia é o encarceramento em massa”, afirma Rodrigues.