A 1ª Vara Cível e de Fazenda Pública de Macapá condenou o governo do Amapá a pagar R$ 10 mil por danos morais e R$ 30 mil a título de danos estéticos pelo estupro coletivo sofrido por um homem, então com 18 anos, após ter sido acusado de estupro de vulnerável contra um bebê de 1 e 3 meses, enteado dele. Ele foi inocentado do crime, após exames constatarem que a criança não havia sofrido violência sexual.
Procurado, o governo estadual informou que inicialmente não vai recorrer da decisão. Já a defesa pretende recorrer do valor, uma vez que no pedido inicial, de 2016, pleiteava o pagamento de R$ 215 mil e pensão vitalícia.
Em 2014, o agricultor José Nilson dos Santos Sena foi preso suspeito do crime e levado ao Iapen (Instituto de Administração Penitenciária do Amapá), sendo chamado pelos moradores de “monstro de Itaubal”, a cidade onde vivia.
Pelo relato da vítima, ele sofreu torturas e estupro coletivo pelos detentos, chegando a contrair sífilis. Após as agressões, a vítima foi encaminhada ao Hospital de Emergência. Ele foi submetido a tratamentos e, em seguida, recebeu alta, voltando para uma cela mais segura, no Iapen, onde ficou até o resultado do laudo da perícia no bebê.
Os relatos de abusos sexuais contra Sena foram anexados ao processo no Juizado Especial de Fazenda Pública de Macapá. Na sentença contra o Iapen, a Justiça reconheceu o estupro coletivo na cadeia com base no atendimento realizado no pronto-socorro.
O laudo emitido pela Polícia Científica, no dia 11 de abril daquele ano, apontava que o bebê havia tido uma diarreia crônica que lhe causou uma grave assadura, descartando violência sexual. Dessa forma, a Justiça expediu o alvará de soltura no mesmo dia e arquivou o processo contra Sena. Ele foi então solto.
Segundo o advogado Kleber Assis, por causa do trauma da prisão e da violência que sofreu, Sena desenvolveu síndrome do pânico e não consegue se aproximar de pessoas nem ser inserido no mercado de trabalho.
Sena se sustenta com trabalhos temporários como agricultor e ajuda de parentes. Após o episódio, a ex-companheira e o enteado foram morar em outro estado. Eles nunca mais tiveram contato com o agricultor.
A decisão, diz o advogado, “foi aquém em relação a tudo o que José Nilson sofreu, mesmo diante do reconhecimento da Justiça em relação a tortura e ao estupro coletivo. Ele deveria receber a pensão vitalícia em razão do problema que adquiriu, e agora não consegue trabalhar, isso não foi levado em consideração”.
Estupro coletivo
Em 2014, José Nilson dos Santos Sena, então com 18, a mulher, com 17 anos na época, e o enteado saíram de Itaubal, no interior, e se mudaram para Macapá em busca de melhores condições de vida.
Poucos dias após a mudança, porém, moradores do bairro Perpétuo Socorro, periferia da zona leste de Macapá, tentaram linchar o rapaz diante do boato que ele teria estuprado o bebê de 1 ano e 3 meses, que apresentava sangramento no ânus. A informação repercutiu na vizinhança e ele ganhou o apelido de “Monstro de Itaubal”.
José Nilson foi brutalmente agredido pela população com socos, pauladas e chutes até a chegada da Polícia Militar.
O rapaz foi conduzido à delegacia, mas não conseguiu responder às perguntas, segundo a defesa, porque estava em estado de choque.
Depois da audiência de custódia, o agricultor foi levado a uma cela do Iapen. No depoimento de Sena à polícia, registrado no dia 24 de abril, ele relatou inúmeras agressões.
Conforme o relato dele em boletim de ocorrência, os agentes penitenciários o levaram para um banheiro, onde teve a cabeça atingida por golpes de cassetete dos próprios agentes.
Segundo ainda o relato da vítima, os agentes o apresentaram para os detentos como o autor do estupro do bebê, o que teria incentivado o ódio generalizado entre os presos.
Revoltados, os presos quebraram a parede da cela onde Sena estava isolado e tiveram acesso a ele, que foi violentamente agredido, principalmente na cabeça e no rosto. A vítima disse que teve que se fingir de morto para o espancamento cessar.
Em nota, o Iapen disse que seguiu todos os ritos para apuração da denúncia, com instauração da Investigação Preliminar Administrativa pela Corregedoria Penitenciária, que concluiu que não foram encontrados indícios que apontassem para o desvio de conduta dos servidores.
“Os agentes penitenciários alegaram, na época, que não tinham ouvido a destruição de uma parede da cela. Com isso, José Nilson foi brutalmente atacado com o apoio dos agentes penitenciários que fizeram vista grossa e deixaram que a barbárie acontecesse”, afirmou o advogado Kleber Assis.