Preso sob a suspeita de integrar um esquema de desvio milionário de recursos públicos da área da saúde, o prefeito de Fazenda Rio Grande, Marco Antônio Marcondes Silva (PSD), recebeu ao menos R$ 251,2 mil em espécie e viu o próprio patrimônio aumentar em 463,62% entre 2020 e 2024, segundo denúncia apresentada pelo Ministério Público do Paraná (MPPR).
O documento da denúncia obtido pela Banda B aponta que o prefeito recebeu o montante em espécie, mas as quantias foram depositadas em uma conta bancária pessoal logo em seguida. O patrimônio dele saltou de R$ 231,9 mil para R$ 1,3 milhão no período descrito pela Promotoria. Imagens registradas por câmeras de segurança e anexada à denúncia mostram ao menos três encontros entre Marcondes e outros investigados.

De acordo com o Ministério Público, os repasses ilegais eram feitos em dinheiro vivo e parte dos valores teria sido lavada por meio de empresas de fachada e clínicas de estética registradas em nome de familiares e aliados dos investigados. O esquema, segundo a denúncia, era coordenado pelo auditor do Tribunal de Contas do Estado (TCE-PR), Alberto Martins de Faria, apontado como o mentor da fraude e responsável por expandi-la para outros municípios paranaenses.
O prefeito e outros cinco investigados foram denunciados à Justiça sob a suspeita de integrarem uma organização criminosa voltada ao desvio de recursos da saúde pública. O grupo teria usado contratos fraudulentos com a empresa AGP Saúde Ltda., responsável por serviços supostamente ligados a atendimentos domiciliares e testagens, para desviar mais de R$ 10 milhões apenas em Fazenda Rio Grande.

Além do desvio no município da Região Metropolitana de Curitiba, a organização criminosa também teria movimentado quase R$ 40 milhões em recursos públicos de outros municípios paranaenses. O TCE-PR instaurou procedimentos de fiscalização em contratos de oito prefeituras do Estado em decorrência da operação que levou à prisão do prefeito.
Estrutura do grupo
Além de Marcondes e Alberto de Faria, foram denunciados:
- Francisco Roberto Barbosa: conhecido como Beto Rocha, então secretário municipal de Saúde e atual secretário de Finanças de Fazenda Rio Grande;
- Samuel Antônio da Silva Nunes: empresário e fisiculturista, apontado como “laranja” e sócio formal da AGP Saúde Ltda.;
- Abrilino Fernandes Gomes, o Fernando Gomes: ex-chefe de gabinete da Prefeitura de Contenda e ex-assessor parlamentar da Assembleia Legislativa, responsável por intermediar contatos políticos;
- Ângela Maria Martins de Faria: mãe de Alberto, sócia em empresas usadas para lavar o dinheiro do esquema.
De acordo com a denúncia, Alberto Faria desenhou o modelo de fraude, Samuel Nunes emprestou o nome à empresa usada para firmar contratos fraudulentos, e Abrilino Gomes fazia a ponte com prefeituras, prefeitos e secretários de saúde. Marcondes e Francisco Barbosa garantiam a efetivação dos contratos no município e o repasse de valores públicos.
O comentarista esportivo Abrilino Fernandes Gomes, conhecido como Fernando Gomes, foi denunciado pelos crimes de organização criminosa e corrupção ativa majorada. Ele estava preso preventivamente, mas o TJ-PR substituiu a prisão preventiva por domiciliar, mediante uso de tornozeleira eletrônica e outras medidas restritivas.
As denúncias
O MP denunciou o grupo por organização criminosa, corrupção ativa e passiva, peculato, lavagem de dinheiro e fraude em licitações. A Promotoria pediu ainda que, em caso de condenação, os quatro principais denunciados — Marcondes, Barbosa, Faria e Gomes — percam os cargos públicos e fiquem proibidos de exercer funções públicas por oito anos após o cumprimento da pena.

O órgão também solicitou à Justiça que os denunciados devolvam R$ 10.303.875,00 ao erário municipal, valor que deve ser atualizado e duplicado como indenização por danos morais coletivos.
A denúncia foi assinada pela subprocuradora-geral de Justiça Karinne Romani e encaminhada à 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná, sob relatoria do desembargador Kennedy Josué Greca de Mattos.
O esquema
O MP-PR detalhou na denúncia um suposto esquema de corrupção instalado na Prefeitura de Fazenda Rio Grande, que teria desviado mais de R$ 10 milhões da área da Saúde por meio da contratação irregular da empresa AGP Saúde, sempre sem licitação. Segundo o MP, a empresa foi favorecida em contratos para a realização de “testagem domiciliar de doenças pré-existentes e aplicação de questionário de saúde para fins estatísticos”.

Ainda conforme a denúncia, o projeto não tinha relação com o programa “Saúde nos Bairros”, como divulgado pela prefeitura. Uma análise técnica do CAOP da Saúde Pública apontou que “o projeto carece de metodologia científica adequada, não define critérios de amostragem, gera vieses de seleção e pode levar a conclusões equivocadas e prejudiciais à saúde pública”.
Receita Federal
A Banda B também teve acesso a outro documento que mostra que, em petição separada da denúncia criminal, o Ministério Público do Paraná solicitou ao desembargador Kennedy Josué Greca de Mattos, da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná, que o processo deixe de tramitar em sigilo. O pedido se baseia na gravidade dos crimes atribuídos aos investigados, no interesse público envolvido e no princípio constitucional da transparência dos atos judiciais.
O órgão também pediu que uma cópia da denúncia seja encaminhada à Receita Federal, devido às movimentações financeiras suspeitas e ao aumento de patrimônio dos acusados. Além disso, o MP requereu autorização para compartilhar integralmente as informações da investigação com eventuais novos inquéritos que venham a apurar contratos firmados com a empresa AGP Saúde Ltda.
O que dizem os envolvidos?
Em nota, o advogado Rodrigo Ríos, que defende o prefeito Marco Marcondes, destaca que “os fatos trazidos na denúncia serão devidamente esclarecidos ao longo da instrução, oportunidade em que se demonstrará, de forma inequívoca, a inocência do gestor”. Veja a nota na íntegra abaixo:
“O Prefeito sempre pautou sua atuação pública pela lisura, ética e transparência, conduzindo a administração municipal de maneira responsável e comprometida com o interesse coletivo. A gestão tem alcançado expressivos índices de aprovação junto à população, reflexo direto das políticas voltadas à melhoria da qualidade de vida dos cidadãos e ao desenvolvimento do município. O Prefeito reitera sua confiança na Justiça e permanece à disposição para colaborar com todas as autoridades competentes, certo de que a verdade dos fatos será plenamente restabelecida.“
A reportagem tenta contato com o advogado Rafael Guedes de Castro, que defende Fernando Gomes. Ele ainda não se manifestou sobre a denúncia.
A Banda B não conseguiu estabelecer contato com as defesas do secretário da Fazenda Francisco Roberto Barbosa, do empresário Samuel Antônio da Silva Nunes, do auditor do TC, Alberto Martins de Faria, e da mãe dele, Ângela Maria Martins de Faria. Caso haja manifestações, o texto será atualizado.