A investigação que afastou do cargo o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), obteve indícios de um suposto esquema de propina paga a desembargadores da Justiça do Trabalho no Rio de Janeiro.

Para a PGR (Procuradoria-Geral da República), o governador fluminense tentou incluir a Secretaria de Saúde num esquema pré-existente no TRT-1 (Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região).

O esquema, que acabou não se concretizando no estado, seria mais um braço de propina a ser explorada por Witzel, segundo a Procuradoria.

O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress)

O governador foi afastado na sexta-feira (28) pelo ministro Benedito Gonçalves, do STJ (Superior Tribunal de Justiça), sob acusação de corrupção e lavagem de dinheiro. A medida vale por 180 dias e pode ser ampliada.

O elo entre o governo fluminense e o tribunal foi, segundo a PGR, o desembargador Marcos Pinto da Cruz.

O nome do magistrado apareceu no inquérito a partir da delação do ex-secretário de Saúde Edmar Santos. Segundo ele, o magistrado o procurou para que a pasta pagasse diretamente à Justiça dívidas trabalhistas de OSs (organizações sociais) que tinham valores a receber do governo.

Essa medida agilizaria, de uma vez só, o pagamento de dívidas das entidades na Justiça e o recebimento de “restos a pagar” do estado.

“Para a OS, ingressar no esquema criminoso seria vantajoso, pois seria uma oportunidade de receber do estado os valores a título de restos a pagar, o que, em geral, é bastante dificultoso, bem como, com sua inclusão no Plano Especial de Execução na Justiça do Trabalho, poderiam obter a certidão negativa de débitos trabalhistas”, escreveu a PGR.

De acordo com o depoimento de Edmar, as entidades deveriam contratar um escritório de advocacia que se comprometesse a repassar a propina para a firma da irmã do desembargador, a advogada Eduarda Pinto da Cruz.

O ex-secretário afirma que receberia 10% dos valores a serem pagos à Justiça em nome das empresas, e o desembargador ficaria com outros 10%. O magistrado disse, segundo o delator, que se encarregaria de repassar parte da propina ao governador afastado.

O ex-secretário disse aos investigadores que não conseguiu arregimentar entidades para participar do esquema, pois houve divergência sobre a divisão da propina com o presidente nacional do PSC (Partido Social Cristão), Pastor Everaldo.

A PGR afirma que o dirigente era um dos coordenadores do esquema de corrupção no estado. O pastor, que disputou a Presidência da República em 2014 e já foi próximo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), foi preso na operação de sexta.

Edmar relatou ter sido cobrado por Witzel sobre o atraso no acordo. O desembargador também o pressionou, afirmando que o governador afastado teria direito a parte do valor arrecadado ilegalmente, disse o ex-secretário.

Os investigadores dizem que o relato do delator foi em parte corroborado pelos registros de acessos ao Palácio Laranjeiras, residência oficial do governador. O livro mostra que o desembargador se encontrou com Witzel em setembro e outubro -mesmo período descrito pelo ex-secretário como sendo o de debate da propina.

Neste último mês, estiveram no mesmo horário no palácio, além do magistrado, Pastor Everaldo e Cleiton Rodrigues, à época secretário estadual de Governo. O acordo ilegal, contudo, acabou não se concretizando.

De acordo com a PGR, a investigação mostrou indícios de que esse esquema está em vigor desde 2018.

Segundo os investigadores, o escritório da irmã de Cruz recebeu R$ 795 mil da empresa Atrio Rio de junho de 2018 a janeiro de 2019. Em julho de 2018, a empresa foi incluída no programa que suspendia as execuções e penhoras decorrentes de dívidas trabalhistas.

No mesmo período, afirma a PGR, o Coaf (órgão de inteligência financeira) detectou movimentações atípicas na conta bancária do desembargador. Ele recebeu R$ 1 milhão da irmã e sacou R$ 675 mil. Para justificar ao banco as retiradas, afirmou que queria guardar dinheiro em casa.

A Atrio Rio é ligada à família de Mário Peixoto, empresário que aparece em investigações como outro coordenador do esquema de corrupção na gestão Witzel.

A PGR também apontou indícios de envolvimento do desembargador Fernando Zorzenon da Silva, ex-presidente do TRT-1, no esquema de suspensão de execuções e penhoras.

O escritório de Marcello Zorzenon da Silva, filho do magistrado, recebeu R$ 360 mil de um grupo empresarial beneficiado por decisão do pai em novembro de 2018, segundo a Procuradoria.

A assessoria de imprensa do TRT-1 disse que não conseguiu contato com Cruz.

Advogado, Marcos Pinto da Cruz assumiu a cadeira de desembargador em setembro de 2017, na vaga do tribunal reservada à advocacia. Sua posse foi conduzida por Fernando Zorzenon da Silva, à época presidente. O site do TRT-1 registrou que ele se referiu a Cruz, na ocasião, como um amigo de longa data.

Em nota, a presidência da corte declarou que “não foi oficialmente comunicada nem demandada pelas autoridades públicas para o fornecimento de quaisquer informações visando à instrução de investigações em curso no Ministério Público Federal”.

“A presidência do TRT-RJ informa ainda que a administração do tribunal está à disposição das autoridades competentes para colaboração com as investigações em qualquer fase, assegurando seu total interesse no esclarecimento dos fatos”, disse a corte, em nota.

O advogado Marcelo Zorzenon afirmou que, na noite de sexta-feira, estava tomando ciência “desta grave e infundada denúncia”. “Me manifestarei tão logo seja formalmente instado pelo poder público”, disse ele.

O advogado mostrou uma correção do Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho alterando a assinatura do ato do tribunal que beneficiou o grupo de seu cliente. A publicação retira o nome de seu pai, o desembargador Zorzenon, e inclui o da vice-presidente Rosana Travesedo.

“Essa é a prova de como a denúncia é vazia e infundada”, disse o advogado.

A Folha de S.Paulo não conseguiu contato com os desembargadores citados e a advogada Eduarda Cruz.

Witzel negou ter atuado em esquema de corrupção e afirmou ser vítima de uma perseguição política da PGR para beneficiar o presidente Jair Bolsonaro.

O governador disse à imprensa na sexta-feira que está sendo “massacrado politicamente” porque há interesses poderosos que não o querem governando o estado.

“Minha indignação é a de um cidadão que está aqui com o compromisso de governar o estado, reduzir os índices de criminalidade, enfrentando todas as dificuldades. Querem me tirar do governo, organizações criminosas estão perdendo dinheiro”, afirmou o governador afastado.

A denúncia apresentada pela PGR contra Witzel ocorreu na esteira da homologação do acordo de colaboração premiada do ex-secretário de Saúde Edmar Santos, solto no início do mês.

“Reafirmo que não tenho medo de delação, porque a delação desse canalha do Edmar é mentirosa. Foi pego com a boca na botija”, afirmou o governador afastado.

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Apuração sobre Witzel aponta indícios de um suposto esquema de propina no Judiciário

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