“A caridade é o único tesouro que se aumenta ao dividi-lo”. A frase do historiador italiano Cesare Cantù ajuda a explicar a força do voluntariado em hospitais do Paraná. São pessoas que se doam com o objetivo de tornar a vida do outro mais confortável em um momento de dificuldade, e em troca ressignicam a própria história.

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Voluntários ajudam a humanizar a rotina nos hospitais (Foto: Acervo HPP)

A aposentada Célia Capilé, de 84 anos, encontrou no voluntariado a cura para a própria dor. No início da pandemia, ela perdeu uma filha para a Covid-19. Em meio à tristeza, decidiu que precisava ocupar o tempo livre e lembrou do Hospital Universitário Cajuru, em Curitiba, onde chegou a ficar internada anos atrás.

“Eu tive que fazer uma cirurgia muito grande no Hospital Cajuru e fui muito bem tratada […] Na pandemia, infelizmente, eu perdi uma filha e aquilo foi uma dor muito grande. Quando passou um pouco a pandemia, a gente começou a se reunir para fazer o voluntariado. Para mim foi uma terapia, porque lá a gente se doa e quem recebe fica muito contente”, disse à Banda B.

Dona Célia atua no setor de costura e artesanato do Hospital Cajuru. Das mãos dela saem produtos cheios de carinho para presentear pacientes, familiares e funcionários.

“Transformei a minha dor em amor. A minha filha mais velha também quis participar. A gente faz as lembrancinhas para os enfermeiros e pacientes. Quem recebe fica feliz e nós mais ainda ao ver isso […] Graças a Deus eu tenho saúde, então ainda posso fazer algo por alguém”, celebrou.

O Hospital Universitário Cajuru conta com cerca de 360 voluntários. São pessoas que doam tempo e habilidades para fazer o bem. Quem organiza toda essa turma é a Nilza Brenny, coordenadora da Pastoral dos Hospitais Cajuru e Marcelino Champagnat.

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Nilza coordena o setor de voluntariado do Hospital Cajuru (Foto: Lucas Sarzi – Banda B)

“Eles ajudam a transformar e a amenizar um pouquinho o dia do paciente no leito hospitalar. O voluntário é aquela mão estendida, aquele sorriso, aquela pessoa que acolhe, que orienta, que escuta, são pessoas que realmente fazem a diferença”, destacou.

Segundo Nilza, os voluntariados atuam em várias frentes de atividade: “Nós temos aqui o balcão “posso ajudar”, em que a pessoa ajuda aqueles que estão perdidos no hospital; temos voluntários que fazem auxílio alimentação para as pessoas que não conseguem se alimentar sozinhas; os que fazem o acompanhamento solidário, que é uma atividade em que a equipe de enfermagem solicita um voluntário para ajudar a levar um paciente para o centro cirúrgico ou para um exame; os contadores de histórias; voluntários com habilidade musical que vão com violino ou violão pelos corredores; voluntários com habilidades de costura e artesanato”.

Voluntariado é coração puro, é amor”

Depois de criar dois filhos, a aposentada Ingra Alberti, de 74 anos, ainda tinha muito amor para compartilhar com as crianças. Em 2001, quando começou a pesquisar sobre como ajudar ao próximo, conheceu o setor de voluntariado do Hospital Pequeno Príncipe (HPP), de onde nunca mais saiu.

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Ingra é voluntária no Hospital Pequeno Príncipe desde 2001 (Foto: Acervo HPP)

“Eu sempre gostei muito de crianças. Eu criei os meus dois filhos, um casal, e assim que eles quiseram seguir os caminhos deles sem a minha ajuda eu me inscrevi no Hospital Pequeno Príncipe como voluntária. Como, graças a Deus, eu sempre tive boa saúde, não queria ficar parada em casa”, lembrou.

A idosa trabalhava como contadora antes de aposentar. Hoje, ela deixou de contar números e passou a contar histórias na brinquedoteca do HPP.

“Eu vejo a alegria e a felicidade que eles sentem de a gente poder estar ali dando. Tem mães que às vezes estão meio chateadas, precisam desabafar, então a gente escuta e incentiva que elas tenham esperança, fé e que tudo isso logo vai passar […] São muitas emoções, mas temos que segurar e não demonstrar, porque temos que levar alegria. Não toco no assunto de doença, minha função é distrair e mudar o foco. O voluntariado é coração puro, é amor”, contou emocionada.

O Miguel Mello tem seis anos e está internado no HPP desde julho do ano passado para tratar uma leucemia – câncer que ocorre na formação das células sanguíneas. A mãe dele, Halana Mello, relatou que o filho tem passado pelo processo com tranquilidade, mas sente saudades de casa e dos amigos, por isso os voluntários são tão importantes.

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Miguel tem seis anos e faz tratamento contra leucemia no HPP (Foto: Acervo HPP)

“Ele é uma criança muito tranquila. Ele fala o que está se passando com ele, mas não demonstra fraqueza. O voluntariado é muito importante porque as crianças da onco quase não podem sair de dentro do quarto, por conta de toda a parte da imunidade. Então, para mim e pro Miguel foi uma coisa muito boa, porque ele pôde brincar, pôde pensar que ele não está sozinho. Eu falo que o hospital nunca nos deixa sozinhos, estamos sempre bem acolhidos”, garantiu.

O poder do brincar

O brincar auxilia na formação, socialização e desenvolvimento de habilidades das crianças. Conforme Grazielli Fonseca, coordenadora do setor de voluntariado HPP, a atividade também colabora com a recuperação e resposta mais rápida ao tratamento no caso dos pequenos internados.

“O brincar, além de ser um direito da criança, é o que desenvolve ela. No ambiente hospitalar, o brincar ajuda a criança a expressar o medo, a enfrentar algumas frustrações e a entender o que está acontecendo com ela. No momento em que a criança brinca ela fica mais feliz e isso ajuda no enfrentamento da doença, na aceitação de alguns procedimentos e no contato com a equipe médica e de enfermagem”, pontuou.

O HPP possui cerca de 300 voluntários. São pessoas que disponibilizam tempo para brincar com as crianças nos quartos, enfermarias ou brinquedoteca da instituição.

“O voluntariado no Hospital Pequeno Príncipe tem uma tarefa que todo mundo sabe fazer que é brincar […] O voluntário sai daqui levando muito mais do que ele trouxe. A gente tem relatos de pessoas que saem daqui e modificam toda sua vida, sua história e sua relação familiar. Então, todos ganham com essa atividade”, ressaltou.

Cães terapeutas

Para alegrar os hospitais toda ajuda é bem-vinda – até se ela for de quatro patas. Em 2005, a veterinária Letícia Castanho percebeu que poderia levar o ‘melhor amigo do homem’ para visitar pessoas hospitalizadas. Foi assim que nasceu o Amigo Bicho.

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Projeto Amigo Bicho em visita ao Hospital Cajuru (Foto: Acervo Amigo Bicho)

Por ano, o projeto atende mais de 7 mil pacientes com os cães terapeutas em hospitais do Paraná.

“A resposta é sempre muito positiva, porque é a mudança de foco. Os cães, os animais, eles são nosso mediadores nesse trabalho. Eles são nossos companheiros, esse elo, que faz com que a pessoa saia daquela tristeza, daquele isolamento e interaja mais com os profissionais de saúde e responda melhor a terapia proposta. A mudança de foco é a principal coisa que traz o paciente para essa melhora, inclusive com a redução do tempo de treinamento”, detalhou à Banda B.

Em todos esses anos realizando o programa de Atividade Assistida por Animais, com os cãezinhos de estimação, a veterinária coleciona histórias impressionantes.

“Tem uma história bem emocionante de uma senhora no Hospital do Idoso. Eu entrei com a cachorrinha, uma Spitz, e o marido da paciente nos chamou e falou ‘vocês podem chegar perto dela? Porque ela tem uma doença degenerativa e ela não se movimenta mais, só movimenta os olhos’. Eu fui, me aproximei, e ele pediu para eu encostar a cachorrinha no rosto dela, quando eu encostei ela sorriu. Foi algo emocionante. O marido começou a chorar e disse que há anos não via a esposa sorrir”, lembrou.

Os cães e tutores passam por treinamento para levar a melhor assistência ao ambiente hospitalar.

“A gente sempre visa a questão do bem-estar dos animais. Todos têm que estar bem para fazer o bem. Temos, inclusive, uma veterinária especialista em comportamento para verificar se o cão está bem ali. Há também treinamento para os voluntários para que eles entendam o seu cão, entendam até que ponto ele pode ir com o animal”, explicou.

Como ser voluntário?

Os hospitais Cajuru e Pequeno Príncipe abrem seleções para novos voluntários todos os anos. Nas duas instituições a pessoa precisa ter mais de 18 anos e passar por uma triagem, que analisa os objetivos e a disponibilidade.

“O que liga o voluntário a uma causa é o amor. É a questão afetiva, a questão do doar. A primeira coisa que a pessoa tem que entender é ‘qual a minha causa?’, ‘Pelo o que o meu coração bate?’. O voluntário que entende qual é o lugar onde ele quer se doar, com certeza vai receber muitas coisas”, afirmou Grazielli Fonseca, coordenadora do setor de voluntariado HPP.