(Foto: EBC)

 

Aos 15 anos, Filipe Bortolotto assumiu ser homossexual para a família. Como diria anos mais tarde, abriu as portas do inferno. Foram sessões de terapia de reorientação sexual, começou a ser vigiado na escola a pedido da mãe e sofreu, sem saber, uma tentativa de exorcismo.

“O psicólogo fazia muita chantagem emocional. Você quer ser essa decepção para sua mãe? Esse filho horrível para ela? Não continuei por muito tempo, mas tive que bater o pé em casa. Era uma coisa que me fazia muito mal”, contou o publicitário no debate que se seguiu à exibição do filme “Boy Erased: Uma Verdade Anulada”, promovido pela Folha de S.Paulo em parceria com a Universal e o Espaço Itaú de Cinema. A sala, com capacidade para 211 espectadores, ficou lotada, com parte do público para fora.

O evento marcou o lançamento do DVD do filme no Brasil, no dia 17 de abril, após o polêmico cancelamento de sua estreia nos cinemas. O filme também deve estrear em breve em plataformas de exibição de filmes, como o Net Now, mas sem data definida.

Após o cancelamento, em fevereiro, houve revolta na internet e acusações de censura. A Universal, no entanto, afirmou se tratar de uma decisão comercial. Na sessão de ontem, o filme foi aplaudido no final.

Além de Filipe Bortolotto, o debate, mediado pelo jornalista da Folha Guilherme Genestreti, contou com a participação do psicólogo Klecius Borges, que trabalha com gays na promoção do bem-estar e na aceitação da sexualidade. “Muitos homossexuais têm uma vontade real de mudar. Sentem medo pelo que vai acontecer, vergonha e depois culpa pelo sofrimento dos pais. Isso faz com que alguns desenvolvam uma homofobia internalizada”, afirmou Borges.

Bortolotto não chegou a ser mandado para um refúgio de promoção da “cura gay”, como o protagonista do longa, mas as trajetórias de ambos têm pontos semelhantes. Assim como Jared, inspirado no autor do livro que deu origem ao filme (Garrard Conley), o publicitário passou por tratamentos devido à pressão da família, que era bastante religiosa. No começo, os dois acreditavam ser capazes de mudar sua orientação sexual, com a intenção de agradar aos pais e à fé que seguiam. Só com o tempo descobriram que o que a terapia estava tentando curar não mudaria.

De acordo com o psicólogo, algumas pessoas costumam relacionar a homossexualidade a abusos ocorridos na infância, embora não haja base científica para essa conclusão. No filme, o protagonista sofre um estupro, mas a narrativa deixa claro que o desejo homossexual existia antes do ocorrido.

Em outro momento do longa, o personagem Jared presencia a cerimônia de exorcismo de um colega. Embora tenha demorado anos para se dar conta, Bortolotto chegou a viver uma ocorrência parecida. “Já tinha mais de 20 anos quando descobri que o pastor e os irmãos da igreja um dia foram em casa não para fazer um culto normal, mas um exorcismo, uma tentativa de correção de quem eu era”, contou.

Para Borges, psicólogos que defendem a “cura gay” o fazem de forma sutil, sem referência à homossexualidade como doença. “Eles dizem ser um trabalho para eliminar o sofrimento do homossexual, falam que ele procurou o tratamento por estar infeliz. No fim, dá no mesmo”, afirmou.

O psicólogo lembrou também o alto nível de letalidade desse tipo de tratamento. Segundo ele, os índices de suicídio dobram entre homossexuais que passam por terapias.

Hoje com 27 anos, Bortolotto vive com o namorado. Sua mãe morreu há alguns anos, vítima de câncer, e ele não mantém contato com o pai. Diz se considerar casado e feliz.

“Mas eu sou uma exceção. O Brasil ainda é o país que mais mata LGBTs no mundo. E eles morrem não só com facadas, pedradas, tiros, porrada, morrem também por dentro.”

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Publicitário relata pressão da mãe por ‘cura gay’ e tentativa de exorcismo

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