“Ei, psiu”, diz Nicacio Belfort, 38, na tentativa de acalmar os dois filhos pequenos enquanto conversa por telefone com a reportagem. Ele vive com a mulher e as crianças em Belém de São Francisco (PE) e sempre quis ter um terceiro, mas, após a pandemia, mudou de ideia.

(Foto: EBC)

 

“Criança requer muita dedicação, ainda mais para a gente que trabalha”, diz ele. “Não é como se eu não soubesse disso, mas tínhamos uma rede de apoio, com babá, família, que devido a quarentena perdemos e pude ver mais de perto”, explica Belfort, que tem uma página no Instagram sobre paternidade (@amordepapai) e trabalha em uma escola integral.

Sobre a paternidade, ele diz que apesar de ser “maravilhoso”, notou na quarentena quanta atenção as crianças requerem. Segundo ele, foi um desafio adaptar a rotina de home office com os afazeres domésticos e as aulas a distância do seu mais velho.

A reportagem ouviu pais que, assim como Belfort, repensam se querem mais filhos após terem passado mais tempo dentro de casa em decorrência da quarentena. Eles também relatam que o período de isolamento social escancarou o tempo e dedicação que tarefas domésticas e filhos exigem.

Foi o caso de Gabriel Locatelli, 37, do Recife. Pai de uma menina de dez meses, ele e a esposa planejavam ter um segundo bebê antes de a primogênita completar dois anos, mas, agora, já não sabem mais quando terão.

“Vi que o cuidado necessário para uma criança era bem mais fácil para mim, que passava o dia fora”, diz ele, que leciona em uma universidade. “Me considerava participativo e não entendia porque minha mulher não conseguia fazer um curso à tarde. Eu tinha uma visão de que a paternidade era fácil por ser mais ausente.” Ele brinca que a esposa costuma dar uns puxões de orelha e ouve vez ou outra “tá vendo como não é fácil?”.

Assim como Locatelli, o consultor de projetos culturais Gustavo Seraphim, 40, de Curitiba, usou o isolamento para refletir com a sua parceira sobre ter ou não mais um filho –o casal já tem uma criança de três anos. Por ora, acreditam que não terão outra.

“Pela primeira vez, a nossa geração vive um momento tão grande de incerteza. A gente não passou por guerras ou grandes crises econômicas e nos vemos agora numa pandemia”.

Enquanto alguns repensaram planos, outros viveram a chegada da paternidade durante a quarentena. É o caso de Rogerio Morais, 35. Sua filha completou quatro meses no último domingo (2). Por muitas semanas, ele e sua mulher ficaram sozinhos com a recém-nascida.

“Bate medo, né? Somos marinheiros de primeira viagem”, diz ele que recorda que ao sair da sala do parto, não tinha seus pais ou sogros, que são grupo de risco, por perto para auxiliarem nos cuidados.

“Nada disso me afetou na perspectiva de ter outros filhos, mas ampliou o quanto eu fazia pouco [em relação às tarefas domésticas]. Achava que estava fazendo muito, mas caiu a ficha que, na verdade, eu não fazia nada”, diz Morais.

Ele aprendeu a cozinhar na quarentena. “Foi a primeira vez que eu fiz aquelas bolinhas de carne, como é o nome mesmo?”, ri, ao esquecer da palavra “almôndega”.

Morais atua como secretário-executivo da primeira infância da Prefeitura do Recife. Ele afirma que o tempo a sós com a esposa fortaleceu ainda mais a relação. “Mesmo que eu queime o arroz e as panelas, ela viu que tinha um interesse meu e vontade de melhorar.”

Leandro Ziotto, 35, fundador de uma plataforma que fala sobre paternidade, a 4Daddy, analisa que a pandemia serviu para escancarar ainda mais a sobrecarrega das mulheres.

“Se a pandemia foi fácil para algum pai, é porque a mãe sofreu”, diz ele, que acredita que houve o que ele chama de “start do óbvio” de alguns que notaram, só agora, o quanto uma criança dá trabalho. “Temos que discutir e tentar ressignificar a paternidade”.

Vera Iaconelli, psicanalista e colunista da Folha, diz acreditar que, pela primeira vez, se revelou uma tarefa que era invisível, vista como uma incumbência feminina.

“Cria-se uma naturalização do cuidado que é comumente ouvido em frases como ‘é tão gostoso cuidar de quem ama’, temos uma grande dificuldade de ver aquilo que é incômodo”. Ela conclui que, apesar de simples, é importante saber nomear as associações que geralmente são feitas, como a “mãe cuida” e o “pai provém”.

“O que vai ser feito com isso é da ética de cada um. Houve um aumento nos casos de violência doméstica, mas há saídas positivas, como o ganho de consciência que pode fazer com que alguns partam para soluções.”

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Pandemia faz famílias repensarem planos de terem mais filhos

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