(Imagem ilustrativa/Pixabay)

 

O massacre em uma escola pública em Suzano (Grande SP) na quarta-feira (13) insuflou fóruns que são ponto de encontro de criminosos na dark web (área não rastreável da internet) e desafiam a polícia a encontrar formas de coibir novas mortes.

A comemoração do massacre nos fóruns da internet começou minutos depois de ser noticiado que Guilherme Taucci, 17, e Luiz Henrique de Castro, 25, invadiram a escola escola Raul Brasil com um revólver e armas brancas, matando oito pessoas e ferindo 11.

A Folha de S.Paulo vem acompanhando a reação nestes fóruns desde quarta – eles ficam em uma parte da internet em que é difícil rastrear os usuários, só acessível com um navegador que mascara seus dados, o Tor. Os chamados “chans” são como se fossem fóruns, onde os posts vão se somando em longas conversas sobre assassinato, pedofilia, racismo e misoginia.

“Homens de bem honrados”, escreveu um usuário do fórum Dogolachan, abaixo da foto de Guilherme e Luiz Henrique mortos. “Temos os nossos primeiros atiradores sanctos formados no Dogola”, completou outro.

Ainda é investigado pelo Ministério Público se os autores do massacre de fato frequentaram esse fórum específico, mas eles já foram incluídos na galeria de ídolos do Dogolachan, ao lado de outros antigos usuários assassinos ou criminosos.

Em uma espiral de ódio, o crime alimentou anúncios de novos crimes, batizados de actvm santvm (ato santo). Especialistas alertam para o despreparo de boa parte da polícia para coibir este tipo de crime, com exceção de núcleos isolados especializados.

“Não é só comprar viatura e arma. A polícia precisa dar formação. Quem é que consegue entrar na deep web e fazer uma investigação?”, questiona a criminóloga e escritora Ilana Casoy. “Um policial que faz esse trabalho intelectual é tão importante quanto um atirador.”

Ela afirma que a presença de um espaço onde fantasias criminosas são aplaudidas pode ser um dos fatores (sempre há mais de um) a engatilhar um atentado do tipo.

No ano passado, um dos frequentadores do fórum, André Garcia, 29, se despediu no site: “vou quitar deste mundo”. Recebeu a resposta: “se for se matar, leve a escória junto”.

Em junho do ano passado, ele saiu de casa armado e atirou na nuca de uma mulher que jamais havia visto na vida, em Penápolis. Encurralado pela polícia, deu um tiro no próprio peito. A vítima morreu um mês depois. Kyo, como Garcia era conhecido no fórum, virou um mito na dark web brasileira.

O ódio às mulheres é uma das características destes grupos, conhecidos como incels – homens que se dizem “celibatários involuntários”.

“Pautar a imprensa e a sociedade por um ato visto como glorioso por esses grupos é o objetivo deles, por isso, é parecido ser muito cauteloso nas abordagens”, afirma Rodrigo Nejm, diretor da ONG Safernet, que recebeu mais de 130 mil denúncias de crimes na internet só em 2018. “Dependendo de como se divulga, é uma forma de dar escala a grupos de 10, 20, 100 pessoas desequilibradas”.

O Ministério Público paulista chegou a investigar a ligação dos autores do crime com organizações radicais que promovem crimes de ódio ao redor do mundo. Já os poucos policiais e promotores especializados são mais cautelosos. A reportagem procurou a delegacia especializada em crimes de ódio em São Paulo (Decradi) e uma procuradora do Ministério Público Federal que investigou o fundador do Dogolachan, e obteve respostas negativas sobre pedidos de entrevistas.

A Secretaria da Segurança da gestão de João Doria (PSDB) emitiu nota afirmando apenas que os policiais possuem conhecimento avançado e que não darão entrevistas para não atrapalhar as investigações.

A dificuldades técnicas nessas apurações já são grandes mesmo em períodos de menor comoção. Professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e especialista em tecnologia, Arthur Igreja diz que até mesmo a NSA (agência de inteligência norte-americana) pena para investigar na dark web. “É como investigar uma quadrilha no passado, quando não havia rastreamento de IP, interceptação de ligações. Como era feito na época? Infiltrando alguém para poder entender. É isso que os investigadores estão fazendo”.

Ele cita que, apesar dos problemas de estrutura, há alguns “centros de excelência” no Brasil. “A operação Lava Jato só aconteceu por causa de uma capacidade de apuração digital apurada.”

Procuradores de Curitiba (PR), berço da Lava Jato, colocaram na cadeia o criador do Dogolachan, Marcelo Valle Silveira Mello, o Psy. Em dezembro, ele foi condenado a 41 anos de prisão por associação criminosa, divulgação de imagens de pedofilia, racismo, coação, incitação a crimes e terrorismo. Hoje, é outro mitificado entre os que se definem como “homens sanctos”.

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Fóruns na dark web incitam violência e mortes e desafiam polícia

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