O presidente da Rússia, Vladimir Putin, é conhecido por suas demonstrações pouco sutis de virilidade política e militar, quando não pessoal, como suas fotos com o torso nu em atividades atléticas à venda em calendários nas ruas de Moscou lembram.

Com 71 anos e o peso de quase dois anos de guerra nas costas, o russo talvez não esteja mais tão disposto a tirar a camisa, mas manteve a forma em escala grandiloquente nesta quarta (6): chegou para seu giro de um dia pelo Oriente Médio com seu avião presidencial sendo escoltado por quatro caças armados.

É algo bastante inusual em relações internacionais. Enquanto aviões de chefes de Estado importantes, como o Air Force One americano e o Il-96 russo, são adaptados com medidas contra mísseis e interferência eletrônica, uma escolta ostensiva só se vê em visitas a regiões de conflito.

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Cena de vídeo mostra o avião presidencial de Vladimir Putin voando para Dubai sob escolta de caças Su-35S. Foto: Ministério da Defesa da Rússia

Os dois destinos de Putin, Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita, estão cercados pelos efeitos da guerra Israel-Hamas, mas não têm envolvimento direito nela. Ainda assim, o Ministério da Defesa russo divulgou um vídeo mostrando em detalhes a operação da viagem.

O Il-96 foi cercado por quatro caças Sukhoi Su-35S, dos mais avançados no arsenal russo, equipados com mísseis ar-ar de média e longa distância. No vídeo, é mostrada a preparação dos caças, embora não seja especificado em que momento eles passaram a acompanhar o avião de Putin, a escolta e o pouso em Dubai.

Seria uma boa propaganda se os Emirados não tivessem refutado o Su-35S como opção de compra, preferindo o modelo francês Dassault Rafale -o pequeno país já opera caças americanos F-16 e Mirage-2000 franceses.

O Su-35S é a versão mais avançada da família conhecida pela designação ocidental Flanker (flanqueador, em inglês), que começou a voar com o modelo Su-27 soviético em 1985. É o principal caça pesado do país, com autonomia de 3.500 km.

Com isso, quase cobriria a distância em linha reta de Moscou a Dubai, mas como ela passaria pela região conflagrada da guerra de Putin na Ucrânia, certamente os caças ou foram reabastecidos ou decolaram de bases no sul da Rússia. Isso não foi esclarecido pelo Kremlin.

Com o show, Putin evidenciou sua estatura política fora do Ocidente, onde a hoje mais favorável posição na Guerra da Ucrânia não implicou tantos danos a relações econômicas -quando não as aumentaram. Conversou com o presidente dos Emirados, xeque Mohammed bin Zayed al Nahyan, sobre os conflitos na Europa e no Oriente Médio e, principalmente, sobre os projetos petrolíferos e de gás em comum.

A visita foi criticada por ativistas climáticos na reunião COP28, que ocorre na cidade emirati, e foi uma vitória diplomática para Putin, que o Ocidente preferiria ver no ostracismo. No mundo árabe, o presidente russo é uma figura bastante popular, contudo.

Os Emirados são o principal parceiro econômico da Rússia na região, e o país não participa de sanções contra Moscou, mantendo inclusive voos para a capital russa. São russos muitos dos investidores que mantêm enormes blocos residenciais de alto luxo vazios em Dubai e Abu Dhabi.

Nem nos Emirados nem na escala seguinte Putin teve de temer a execução do mandado de prisão contra si, emitido pelo Tribunal Penal Internacional no começo do ano devido à acusação de ter retirado ilegalmente crianças da Ucrânia. Os países não são aderentes da corte, cuja decisão já deixou o russo de fora de reuniões como a do Brics na África do Sul, em agosto.

Na Arábia Saudita, Putin terá o primeiro encontro com o príncipe herdeiro, Mohammed bin Salman, com quem não se reúne pessoalmente desde 2019. Os países são, assim como os Emirados, parceiros na Opep+, a associação ampliada dos produtores de petróleo que terá o Brasil como integrante.

No cartel, sauditas e russos costumam operar juntos, para desgosto dos EUA, que mantêm relação próxima com o reino desértico. Ambos os líderes dependem de estabilidade e preços mais altos de hidrocarbonetos para financiar suas economias.

Com MbS, como é conhecido o príncipe e real governante do país, Putin falará dos mesmos temas de sua visita aos Emirados. A posição do russo, que era parceiro de Israel mas condena a guerra em Gaza, tem bastante ressonância na região.

Mantendo sua política de boa vizinhança regional, na quinta (7) Putin receberá o presidente iraniano, Ebrahim Raisi, em Moscou. Teerã é rival estratégica das monarquias sunitas do golfo Pérsico, mas vinha se aproximando de Riad, tendo restabelecido relações sob os auspícios da China neste ano.

A guerra em Israel bagunçou tudo, até porque os sauditas caminhavam para um acerto com Tel Aviv, como os Emirados fizeram em 2020. Raisi é aliado de Putin e seu cliente militar, tendo escolhido os mesmos Su-35S que voaram pelo Oriente Médio como seu novo caça.