Se você começa a se identificar em alguma situação, procure ajuda. Não deixe que isso se torne um tema central da vida, porque há o risco de querer se encaixar em todas as situações e atrair todos os outros problemas para validar”, alerta o psicanalista Christian Dunker.

“Eu fui para a minha primeira entrevista de emprego com a camisa toda suja de sangue após levar uma surra.”

“Ela me acusava de querer ser amante do meu próprio pai.”

“Deu uma risada e disse: ‘pena que você não conseguiu se matar…'”

CECILIA TOMBESI | BBC

Karina*, Julia* e Larissa* levaram décadas para conseguir contar suas histórias. Quando tentavam, ninguém acreditava: “ingratas”, “desnaturadas”, “mal agradecidas” eram algumas das críticas que elas ouviram ao falar dos abusos que sofreram das mãos das próprias mães.

Com a internet, porém, elas conseguiram. Num fenômeno recente nas redes sociais brasileiras, fazem parte de grupos, comunidades, canais no YouTube e até podcast que abordam as histórias de pessoas que sofreram com o abuso materno: de espancamentos e tortura psicológica à falta de cuidados básicos com a saúde.

Cárcere privado

Quando era criança, Karina sempre tinha um pedido quando os parentes ou amigos de seus pais iam visitá-los: “me leva pra sua casa?” Hoje com 53 anos, a jornalista lembra que fazia de tudo para não ter de ficar no mesmo ambiente em que a mãe. “Eu detestava férias e fim de semana porque significavam espancamentos. Eu era o saco de pancada”. Ao conseguir a primeira entrevista de emprego, já aos 20 anos, ela conta que a mãe entrou no banheiro onde ela estava e a espancou com um cinto, até sangrar. Para não se atrasar, foi com a roupa suja de sangue.

Há pouco mais de três anos, após um período de afastamento, Karina precisou voltar à casa da família. Havia feito um mau negócio na venda de um apartamento e passou a viver praticamente, diz, em cárcere privado.

“A relação com minha mãe deveria ter sido primeiro amor. Viemos ao mundo com essa expectativa, mas quando é estabelecida uma relação tóxica, isso muda toda a sua vida. Eu poderia ganhar o Nobel que ainda não seria suficiente para ela”. Karina precisou recomeçar a vida em outra cidade, o Rio de Janeiro, para cortar qualquer contato com a família.

A jornalista participa de algumas das páginas nas redes sociais que tratam do abuso materno e que se referem especificamente ao conceito de “mães narcisistas”, relacionado ao Transtorno de Personalidade Narcisista. Parte de uma área relativamente nova na comunidade médica, ele é identificado pela Associação Americana de Psiquiatria como uma necessidade patológica “por admiração e falta de empatia pelo outros”.

“No caso específico das mães que vivenciaram a gravidez, a separação com o bebê, à medida que ele vai crescendo, é sempre difícil. Mas, quando se tem esse transtorno, isso vai virando raiva, ódio. Elas querem os filhos como imagens de si, eles não podem ter autonomia, ser independentes, viver a própria vida. Isso leva a um crescimento muito dificil e deixa um rastro de pessoas inseguras, que não se abrem, com dificuldade de enfrentar a vida”, explica.

Em apenas uma das páginas sobre o tema, “Narcisismo Materno”, no Facebook em português, há mais de 60 mil perfis que acompanham o conteúdo. Um post traz uma imagem com a frase “As coisas não estão ficando piores. As coisas estão sendo expostas”: “É triste mas ao mesmo tempo é libertador quando vc descobre que o problema nunca foi você e sim ela”, comenta uma participante.

No YouTube, um vídeo publicado há um ano acumula mais de 127 mil visualizações. Uma psicóloga fala como identificar uma “mãe narcisista” : “Não tem empatia, vai responsabilizar você pelos problemas, é sempre dona da verdade. Só vai te tratar bem se precisar alguma coisa”, ilustra a um público que entra numa espécie de comoção coletiva ao encontrar esses sinais nas próprias mães.

Ciclo de sofrimento – Leia a reportagem completa da BBC aqui

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‘Pena que você não conseguiu se matar’: como a internet uniu vítimas de abuso de mães narcisistas

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