Há três anos, enquanto concorria à eleição presidencial contra Donald Trump, o democrata Joe Biden disse em comício na Califórnia que seria uma “ponte” para uma nova geração de líderes. Essa ponte é mais longa do que se esperava.

Joe Biden confirma que vai concorrer à reeleição nos Estados Unidos em 2024
Joe Binder.
Foto: Redes Sociais.

Após meses de especulação, Biden lançou de maneira discreta nesta terça-feira (25) sua campanha pela reeleição à Casa Branca em 2024 com um vídeo em redes sociais. Supersticiosa, a data marca três anos do início de sua última campanha, vitoriosa, à Presidência.

Aos 80 anos, o presidente mais velho da história dos EUA, caso reeleito para o cargo, deixaria o posto com 86 anos. A depender dos arranjos do Partido Republicano, Biden pode repetir o cenário da eleição de 2020 com o ex-presidente Donald Trump como seu adversário.

Se o adversário for mesmo Trump, será uma boa notícia para Biden, que busca, mais do que o voto democrata, o eleitor anti-Trump, como deixou claro no vídeo em que lançou a candidatura, que mostra a invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021 por apoiadores do ex-presidente contra o resultado da eleição.

“Ao redor do país, extremistas do Maga [“Make America Great Again”, lema de Trump que virou nome de seu movimento político] estão se aliando para tomar suas liberdades fundamentais cortando a seguridade social pela qual você pagou por toda a sua vida, enquanto cortam impostos para os muito ricos, ditando as decisões de saúde que as mulheres podem tomar, proibindo livros e dizendo às pessoas quem eles podem amar. Tudo enquanto tornam mais difícil que você vote.” Ele repetiu ainda que é “uma batalha pela alma da América”.

Sua vice, Kamala Harris, também comporá a chapa de reeleição.

Será preciso convencer bem os eleitores. Pesquisa do canal NBC divulgada no domingo (24) apontou que 70% dos eleitores não querem que Biden concorra -para 48% deles, a idade avançada é o principal problema. Por outro lado, 60% dos eleitores também não querem Trump.

Politicamente, Biden tem o que mostrar. Conseguiu aprovar, ainda que com alguns percalços, projeto ambicioso com bilhões de dólares para infraestrutura, o Build Back Better, anunciado como uma espécie de novo “New Deal”, pacote de reconstrução pós Crise de 1929.

No ano passado, aprovou outro pacote bilionário para incentivo a energia limpa e combate a mudanças climáticas. Também tem na sua conta uma das melhores performances nas eleições de meio de mandato de democratas em décadas, após conseguir manter o Senado e evitar uma perda maior na Câmara no pleito legislativo do ano passado.

Por outro lado, vai ser bombardeado pelo estado da economia do país, após a inflação atingir recorde de 9,1% no ano passado e em meio a temores de recessão. E a aposta que fez na Guerra da Ucrânia, com mais de US$ 113 bilhões aprovados pelo Congresso em ajuda a Kiev no ano passado enquanto cai o apoio da população à participação americana no conflito, pode cobrar seu preço.

Biden tem hoje 40% de aprovação, segundo o instituto de pesquisas de opinião Gallup. Na mesma altura de seu mandato, a aprovação de Donald Trump também estava na casa dos 40%.

Para Thomas Whalen, professor da Universidade de Boston, o principal ativo de Biden para convencer os eleitores é ter trazido a Casa Branca “à uma normalidade e racionalidade que não se viu no governo Trump, especialmente nos últimos dias, com a convocação de manifestantes para tentar reverter o resultado da eleição”. “Acho que isso já é um ótimo argumento para a população.”

Para ele, a idade não é um problema. Ronald Reagan foi criticado ao concorrer com quase 70 anos, e Dwight Eisenhower sofreu ataques do coração e um derrame enquanto estava no cargo e ainda foi reeleito.

Apesar disso, e ainda que a Casa Branca defenda que ele tem plenas condições de saúde, é natural que Biden não tenha mais a agilidade de outrora e, às vezes, precisa de ajuda para se locomover e se perde na leitura de discursos.

Whalen afirma que existem outros nomes jovens entre democratas que poderiam ser competitivos para a Casa Branca, como a governadora de Michigan, Gretchen Whitmer, mas que seria ruim para o partido uma competição fratricida nas primárias, que só enfraqueceria Biden.

“Biden é moderado, fala com a classe trabalhadora, pode atrair eleitores independentes. Se algo não está quebrado, não é preciso consertar”, diz o especialista.

O argumento da idade também perde força se o adversário de Biden nas urnas for Donald Trump, que em junho completa 77 anos.

Não deixará de ter um componente irônico, porém. Biden, que está há quase quatro décadas no Senado, usou a juventude a seu favor na primeira vez que foi eleito, em 1972, aos 29 anos, para se contrapor à idade do adversário, então franco favorito na disputa, que tinha 63 anos. “Ele perdeu o brilho nos olhos que costumava ter”, disse o jovem candidato na ocasião.

Até aqui, Biden só tem dois adversários declarados na própria legenda, nenhum deles perto de ser competitivo.

Na última semana, Robert F. Kennedy Jr, sobrinho do ex-presidente John Kennedy e mais conhecido por espalhar teorias conspiratórias questionando a eficácia da vacina contra a Covid-19, afirmou que iria concorrer -ele não tem apoio da família Kennedy, que tem um membro no governo Biden, Joe Kennedy 3º.

A outra é a escritora de auto-ajuda Marianne Williamson, que chegou a participar de algumas primárias na eleição de 2020.

Nomes outrora competitivos já não figuram nas bolsas de apostas de agora, como o do senador Bernie Sanders, 81, ainda mais velho que Biden. O atual secretário de Transportes, Pete Buttigieg, que também disputou as primárias em 2020, tem sido criticado por sua atuação no cargo, especialmente após o acidente de trem em Ohio que carregava carga química no começo de fevereiro.

Kamala Harris, antes vista como possível sucessora de Biden, não deslanchou no cargo de vice-presidente e tem hoje cerca de 40% de aprovação, contra 55% no começo do mandato, segundo agregador de pesquisas do site FiveThirtyEight.

Todos esses pontos, porém, poderiam ser superados com a máquina do Partido Democrata por trás, mas é improvável que eles concorram à Presidência com Biden no páreo.

As primárias que decidirão o candidato democrata começam em fevereiro de 2024, na Carolina do Sul. A convenção democrata que confirmará a escolha do partido deve ocorrer em agosto do ano que vem.

Do lado republicano, além de Trump, o nome mais competitivo é o do popular governador da Flórida, Ron DeSantis, que ainda não anunciou formalmente que vai concorrer, embora esteja em pré-campanha pelo país e pelo mundo, com direito a visita ao Japão, Israel, Coreia do Sul e Reino Unido, alguns dos principais aliados dos EUA.

DeSantis é visto como uma espécie de Trump jovem, com a mesma disposição para empenhar as pautas conservadoras de comportamento, mas sem os problemas do ex-presidente na Justiça.
Trump é réu em caso criminal e pode disputar as eleições do ano que vem enquanto se defende nos tribunais do caso da compra de silêncio de uma atriz pornô com recursos supostamente de campanha.

Ele também pode se tornar réu pela tentativa de reverter o resultado da eleição de 2020 na Geórgia, pela mobilização de apoiadores para invadir o Congresso em 6 de janeiro de 2021 e por manter irregularmente documentos secretos em sua casa na Flórida após deixar a Presidência.