Thiago Amâncio – Washington, EUA (Folhapress) – Ano novo, vida nova e, pelo menos em um aspecto, os americanos têm conseguido cumprir as promessas típicas dessa época: diminuir o uso do cigarro.

Foto: Arquivo/Agência Brasil

No alto da lista de resoluções para 2023, 20% dos habitantes nos Estados Unidos prometem tentar melhorar a saúde física em 2023 e 10% citam parar com hábitos ruins, segundo pesquisa do instituto YouGov publicada na última semana do ano passado.

Meio caminho já está tomado, a depender do uso do cigarro, já que 2022 foi o ano em que americanos menos fumaram, de acordo com outro levantamento, do instituto Gallup: 11% relataram ter fumado alguma vez na semana anterior à pesquisa. É menos do que os 16% registrados em 2021 e o índice mais baixo da série histórica, que começa nos anos 1940. Além disso, 60% dos entrevistados fumantes afirmaram que gostariam de deixar o vício.

Mas, se o uso de tabaco vem caindo em todas as faixas etárias e grupos sociais, por outro lado o de maconha cresce e ultrapassou em 2022 o número de fumantes de cigarros comuns. Outra pesquisa Gallup, de agosto, apontou que 16% dos americanos relataram fumar maconha -diferentemente do levantamento sobre o cigarro, porém, a pergunta questiona de forma mais genérica se o entrevistado usa a substância e não especifica se o fez na semana anterior.

Não há dados robustos que apontem, no entanto, que os americanos estejam substituindo o tabaco pela maconha, segundo Paul Armentano, vice-diretor da Norml (Organização Nacional para a Reforma das Leis da Maconha).

Ele defende que é provável que parte do aumento no uso de cânabis medido pelas pesquisas não seja porque a substância está de fato mais popular, mas esteja ligado ao fato de que hoje o uso é legal na maioria dos estados americanos.

“Em um ambiente no qual ela é mais aceitável culturalmente, e considerando que em muitas jurisdições o uso é legalizado, há certamente maior probabilidade de que as pessoas estejam mais confortáveis do que antes em admitir publicamente o uso da maconha”, diz.

Desde que a Califórnia legalizou o uso medicinal, em 1996, abriu-se a porteira das regulações estaduais. Ao menos 37 estados e a capital atualmente têm autorizações para fins semelhantes. Em 2012, veio uma nova onda verde, quando Washington e Colorado legalizaram o uso recreativo, e hoje 21 estados, além da capital, também o permitem.

A legalização tem aprovação da ampla maioria dos americanos, segundo pesquisa do instituto Pew de novembro, que apontou que 30% apoiam o uso medicinal da erva e 59% defendem tanto o medicinal quanto o recreativo -ainda que fumar a substância seja prejudicial, da mesma forma que o cigarro comum.

É quase mais fácil comprar maconha do que álcool em uma série de regiões dos EUA. Em Washington, um panfleto com um cardápio de produtos pode chegar à caixa de correios anunciando taxa zero de entrega, em meio a uma chuva de “junk mail” com liquidações das lojas mais triviais.

Em Nova York, food trucks de maconha servem quem caminha por zonas movimentadas, ainda que de maneira irregular e se aproveitando de brechas da lei -vácuo que foi de certa forma resolvido às 16h20 de 29 de dezembro, quando se inaugurou a primeira loja oficial regulamentada pelo Estado de venda da substância.

Ajudam na popularização da erva os altos números da lucrativa indústria da maconha, que movimentou US$ 10,8 milhões em 2021 e deve crescer a uma média de 15% por ano até 2030, segundo análise da consultoria americana Grand View Research. No mesmo ano retrasado, a título de comparação, a indústria do tabaco movimentou US$ 49,7 bilhões.

Em uma loja na região central de Washington, com uma placa na calçada que diz “entre e pegue uma amostra grátis”, as prateleiras estão cheias de todos os tipos de produtos e variações de CBD e THC, os principais elementos psicoativos da erva que provocam sensações como relaxamento ou euforia.

É possível comprar balas do tipo jujuba, chás, biscoito para cachorro e até uma espécie de whey protein para quem é adepto da musculação e da cânabis, que mistura proteína de ervilha com CBD. “Aqui há esse foco na parte terapêutica, mas as pessoas gostam mesmo das flores de maconha e dos baseados já enrolados”, diz Anne Johnson, habitué do local, enquanto bebe um copo de café com canabidiol.

Ela explica que a legislação que regula a maconha na capital americana permite que qualquer pessoa com 21 anos ou mais carregue até 56 gramas da erva (ou duas onças, na unidade de medida padrão dos EUA), desde que só fume em casa, e proíbe o uso em espaços públicos.

“Mas não funciona bem assim. Dê uma volta no quarteirão e você vai sentir cheiro de maconha a todo o momento, muito mais do que de cigarros comuns. Sempre tem polícia na região e nunca me questionaram por nada. Só tome cuidado nas áreas federais”, alerta, citando parques na capital do país administrados pelo governo federal.

Isso porque a posse e o uso de maconha ainda são considerados ilegais pela legislação federal dos EUA, embora o sistema jurídico altamente descentralizado do país permita que os estados encontrem suas brechas.

O presidente Joe Biden já afirmou que pretende avançar com uma legislação nacional para descriminalizar o uso da erva e, em outubro, perdoou condenados na Justiça Federal por posse da substância. Pela lei nacional, a posse é punível com até um ano de prisão e multa de US$ 1.000 (R$ 5.210) para a primeira condenação.

  • 11% dos americanos relataram ter fumado ao menos uma vez na semana anterior à pesquisa, menor índice registrado pelo Gallup
  • 16% admitem fumar maconha, em outro levantamento deste ano do mesmo instituto
  • 89% dos americanos são a favor da legalização da maconha, para fins medicinais ou recreativos
  • 37 estados e a capital, Washington, permitem o uso medicinal da maconha
  • 21 estados e a capital permitem o uso recreativo da substância
  • Fonte: Gallup