Enquanto o mundo assiste atônito ao desenrolar da crise política nos Estados Unidos, a China decidiu esmagar de vez o movimento pró-democracia em Hong Kong. Há muito pouco que o Ocidente possa fazer.

A decisão do Congresso chinês de proibir a presença de parlamentares que esposem ideias independentistas no Conselho Legislativo de Hong Kong, contudo, segue uma lógica previsível.

Claro, ao expulsar quatro parlamentares que se encaixavam na definição de Pequim, levando à demissão coletiva dos 15 deputados remanescentes, a ideia de autonomia encerrada na Lei Básica de Hong Kong foi para o espaço de vez.

 

 

Mas isso já era aferível quando, também durante o primeiro pico da crise da pandemia do novo coronavírus, a ditadura comunista continental impôs a nova Lei de Segurança Nacional ao território, no fim de junho.

A justificativa para as regras draconianas, que interferiram diretamente no sistema judicial honconguês e implantaram a presença de uma polícia política na região, era a tormenta política que chacoalhava Hong Kong desde meados de 2019.

Retomando agendas de jornadas anteriores, ativistas pró-democracia começaram protestando contra uma lei que facilitava a extradição para a China.

A coisa evoluiu para atos maciços e choques violentos pedindo, em resumo, mais democracia e a manutenção da autonomia prevista na Lei Básica, a miniconstituição local acertada em comum acordo com os britânicos quando o Reino Unido devolveu a então colônia para Pequim, em 1997.

Pelo arranjo, haveria lá Judiciário e Legislativo autônomos, assim como uma economia desregulada para manter a posição de entreposto financeiro do território – por onde entram e saem a maioria dos investimentos diretos envolvendo a China.

Ao fim, os manifestantes hoje não precisam ser extraditados para receberem penas severas sob as leis da Justiça comunista, houve a intervenção no Judiciário e, agora, no Legislativo. Cantar um slogan contra Pequim na rua pode dar cadeia por anos, desvirtuar o hino chinês, também. Postagens geram prisões, assim como cobrir o rosto em protestos.

O Conselho Legislativo, como contava o Eddie Chu, deputado democrata até setembro que foi preso na semana retrasada, era um palanque único para tentar resistir ao aumento do domínio chinês dentro de regras estabelecidas.

Sem uma oposição formal, mesmo isso acabou. O Conselho tem 70 vagas, 58 das quais estavam ocupadas, e sua eleição foi adiada de setembro para o mesmo mês de 2021 sob alegação de que a pandemia não a tornava segura.

O próximo pleito tem tudo para ser meramente decorativo, embora os ativistas honcongueses sejam famosos por sua criatividade – ao menos eram até a implantação da Lei de Segurança.

Um dos quatro deputados expulsos resumiu seu sentimento. “Minha missão como legislador não tem como continuar, mas eu seguirei se o povo de Hong Kong continuar a lutar por seus valores centrais”, disse Kwok Ka-ki, por WhatsApp.

Falando pela principal agremiação anti-Pequim, o Partido Democrático, seu presidente Wu Chi-Wai decretou o fim do arranjo anfíbio de governo vigente desde 1997. “Não podemos mais dizer ao mundo que ainda temos o ‘um país, dois sistemas’, ele está declarado morto”, afirmou em entrevista coletiva.

Os deputados no Conselho nunca integraram as facções mais radicais dos protestos, ainda que os apoiassem, buscando interlocução com Pequim.

Diferentemente da percepção ocidental, há em Hong Kong um apoio muito significativo ao governo comunista, basicamente porque as pessoas querem tocar sua vida e os empresários, fazer negócios.

Na eleição local de novembro do ano passado, quando a oposição esmagou os partidos pró-Pequim, aproximadamente 40% dos votos foram para esses políticos. Assim, deputados como Chu sempre defenderam a via do diálogo.

Isso agora acabou. Para os defensores das instâncias de Pequim, dois pontos se sobresseam. Primeiro, lembrando casos como o da Catalunha na Espanha, questionam se países ocidentais seriam tão passivos ante protestos de rua que ao fim sugerem a independência do território em questão.

Segundo, como argumentou em webinário recente o influente analista Xiang Langxin, há uma ideia que ele considera incorreta acerca dos movimentos democráticos em Hong Kong.

“Não havia democracia antes, sob o domínio britânico. Era uma colônia. Boa parte das estruturas que eles criticam foram legadas pelos britânicos”, disse. Assim, haveria uma contradição nas demandas, algo com que ativistas locais certamente não concordam, mas que traz uma nuance quando se analisa as reações no Ocidente.

A principal delas, dado que os EUA estão lidando com um presidente que se recusa a aceitar a derrota nas eleições, veio nesta quarta (11), claro, do Reino Unido. “A campanha para desqualificar a oposição democrática é danosa à reputação internacional da China”, afirmou o chanceler do país, Dominic Raab.

Perto das ameaças não concretizadas de sanções incapacitantes quando a Lei de Segurança foi implantada, é um tom bastante conformista em relação à magnitude do que aconteceu.

Os EUA, que sob Donald Trump endureceram bastante sua posição em relação a Hong Kong, deixando de reconhecer a região como autônoma, dificilmente mudarão no governo de Joe Biden.

O que não significa que terão como ir além na prática num primeiro momento, até porque a maioria de suas grandes empresas na Ásia têm sede por lá. Enquanto isso, Pequim seguirá inamovível ante as pressões do mundo.

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China consolida mão de ferro sobre Hong Kong com intervenção no Legislativo

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