Foi em torno de 2013 que o então presidente ucraniano, o pró-Rússia Víktor Yanukóvytch, dispensou a ideia de que seu país pudesse aderir à União Europeia (UE). A decisão, vista como um claro aceno à Moscou, revoltou os ucranianos – sedentos por fazer parte do bloco europeu e, consequentemente, ter acesso a todas as facilidades e possibilidades que a UE proporciona. O que se seguiu no país foram 93 dias de protestos que terminaram com a deposição de Yanukóvytch.

A revolta dos ucranianos e a vontade de se integrar cada vez mais ao Ocidente, acendeu um alerta em Vladmir Putin – para quem a maior tragédia do século XX foi o fim da União Soviética. Para Putin, é absolutamente inadmissível que uma ex-república Soviética seja tão próxima dos europeus. No ano seguinte, em 2014, os russos – sem disparar sequer um tiro – tomam a província da Crimeia, parte da Ucrânia desde 1954.

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Entendendo que um potencial inimigo estaria logo ao seu lado, os ucranianos iniciam em 2021 as tratativas para aderir a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) uma aliança militar de defesa recíproca e treinamento mútuo.

Para Putin, pior do que ter um vizinho membro da União Europeia, seria ter um vizinho aliado militarmente a outras 27 nações que poderiam vir em seu socorro.

Depois de muito negar que tomaria qualquer atitude militar, os russos invadem a Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022. Economicamente, o que se seguiu foi exatamente o esperado: inúmeras sanções econômicas a Moscou, e o expressivo aumento no preço de petróleo, gás natural e commodities no geral. Àquela altura, enxergávamos o exército russo como o segundo maior e mais bem preparado do mundo, mas o que vimos nesses 365 dias de conflito acaba colocando em xeque as crenças que tínhamos.

Nesse um ano de invasão à Ucrânia, quantas vezes ouvimos que seriam poucos dias até a inevitável queda de Kiev? Centenas, milhares de vezes. No entanto, sobre a liderança de um improvável Volodymyr Zelensky, a capital permanece em pé, e o país permanece lutando bravamente. A luta dos ucranianos não é, no entanto, apenas contra os russos. É contra a falta de luz, de água, de saneamento, de remédios e contra a crueldade russa.

Até outubro do ano passado, o procurador geral do país invadido apresentou documentação que aponta pelo menos 39 mil crimes de guerra cometidos pelos russos. As imagens de civis mortos com as mãos amarradas às costas na cidade de Bucha, as centenas de corpos encontrados em covas coletivas em Izium e os ataques a instalações que abrigavam crianças – o teatro de Mariupol – são apenas algumas das mais claras violações das leis e costumes de guerra feitas pelos russos.

Ainda com tantas evidências de morte e crueldade, as perdas totais da guerra seguem incertas. Os relatórios mais críveis levantados pelas Nações Unidas apontam ao menos 200 mil soldados mortos em ambos os lados do conflito. Nesse um ano de guerra, ao menos oito milhões de ucranianos buscaram refúgio noutros países, na maior crise de refugiados na Europa desde a Segunda Guerra Mundial.

E, estaria a guerra perto do fim? Não, pelo contrário. Enquanto os russos seguem comprando armas do Irã e da Coreia do Norte, efetuando convocações de homens para a luta e punindo severamente aqueles que criticam as políticas do Kremlin; a Alemanha e os EUA anunciaram o envio de seus tanques mais modernos para ajudar os militares de Kiev, e o Reino Unido enviará aeronaves de combate para o inimigo de Moscou. Já há soldados ucranianos sendo treinados na Alemanha, nos EUA e no Reino Unido, em treinamentos muito mais detalhados e aprimorados do que aquele que os russos oferecem em cerca de 10 dias a pessoas que nunca pegaram num rifle.

Haveria, ainda, muito o que falar sobre esse conflito: sua inevitabilidade por razões geográficas, a posição chinesa, as novas rivalidades geopolíticas do planeta… Mesmo assim, as palavras e explicações não poderiam, jamais, fazer qualquer justiça às vítimas que padecem lá e em qualquer outro lugar do planeta vítimas de conflitos evitáveis. Se, no início do século XXI, havia a esperança de um século sem guerras, agora nem mesmo a esperança permanece entre nós.

*João Alfredo Lopes Nyegray é doutor e mestre em Internacionalização e Estratégia. Especialista em Negócios Internacionais. Advogado, graduado em Relações Internacionais. Coordenador do curso de Comércio Exterior na Universidade Positivo (UP). Instagram: @janyegray