Na noite de quinta-feira, 01 de setembro, assistimos estarrecidos à tentativa de assassinato da vice-presidente da Argentina, Cristina Kirchner. Cristina foi presidente do país entre 2007 e 2015, e foi também primeira-dama entre 2003 e 2007 – sucedendo o então marido, o falecido Néstor Kirchner. A trajetória política da atual vice-presidente é antiga: em 1989 foi deputada pela província de Santa Cruz, tendo sido reeleita em 1993. Quando ganha sua primeira eleição à presidência, a Cristina era Senadora pelo partido do marido.

Foto: Reprodução / Redes Sociais

Tanto o mandato presidencial de Néstor quanto o de Cristina foram marcados por crescimento econômico, mas também por ideias populistas que deixaram uma grande conta a pagar para o futuro. O aumento dos gastos do Estado, a dificuldade para conter a inflação e a desvalorização da moeda são apenas alguns exemplos. No fundo, a crise econômica argentina origina-se nos anos 2000.

Em 2001, para tentar frear a inflação e a saída de dólares do país, o então presidente Fernando de la Rua anunciou que os argentinos somente poderiam sacar cerca de 250 pesos argentinos por semana de suas contas. Esse foi o chamado “corralito”, na prática um confisco de valores que levou a população aos bancos e às ruas em protesto – cuja repressão foi extremamente violenta. O governo de de la Rua, por óbvio, não suportou a pressão das ruas e renunciou. Nos dias que se seguiram, os argentinos tiveram cerca de 5 presidentes em 11 dias, e as memórias desse caos até hoje arrepiam nossos vizinhos. A partir de 2003, Néstor e Cristina aparentavam colocar a economia do país de volta aos trilhos – ainda que deixando uma grande conta para o futuro.

Com a crise de 2008 a fuga de dólares da Argentina se intensifica, e ainda que em alguns momentos o país tenha apresentado crescimento econômico, esse crescimento não foi suficiente para atrair investimentos duradouros para o país. Em 2019, o governo Maurício Macri chega a limitar a compra de dólares pelos argentinos a US$ 200 por semana. As oscilações econômicas fazem com que nossos vizinhos acabem poupando seus recursos não na moeda local, mas em dólar. Com isso, se intensifica o câmbio paralelo e em valores completamente diferentes do câmbio oficial.

Macri não se reelege e chegamos ao governo de Alberto Fernández – ex-chefe de gabinete de Cristina Kirchner. Fernández chega a congelar preços no início da pandemia – o que, como sabemos, gera escassez. Produtos somem das prateleiras e o atual governo não parece saber como lidar com a crise. Até mesmo as exportações passaram a ser tributadas, reduzindo ainda mais a competitividade do país e daquilo que poderia trazer os tão necessários dólares para a Argentina. Com um número recorde de pessoas em extrema miséria, aquele que já foi um dos países mais ricos do mundo padece dia a dia.

Ainda assim, o presidente Alberto Fernández e a vice Cristina Kirchner, num relacionamento cada dia mais desgastado pela crise econômica e política que assola o país, seguem tendo muitos apoiadores. Foi justamente num encontro com esses apoiadores, que Cristina foi atacada na noite de quinta-feira. A mudança política que o país vizinho precisa deve vir não pelas balas, mas pelas urnas. A Argentina de hoje é um triste retrato de um país rico, com um povo resiliente e de alta educação formal, mas que parece aprisionado na mentalidade das ideias populistas que, cada vez mais, arrastam o país para o abismo econômico.

*João Alfredo Lopes Nyegray, doutor e mestre em internacionalização e estratégia, coordenador do curso de Comércio Exterior e professor de Geopolítica e Negócios Internacionais na Universidade Positivo (UP).