A manhã do dia 30 de abril de 2023 começou diferente para este novato repórter. O café da manhã tinha a companhia de uma pilha de papéis dobrados e grampeados, que traziam as informações acumuladas de oito meses e meio sem jogos, fardo tristíssimo que, enfim, teria fim naquele dia.
Era um time inteiro formado, uma comissão técnica contratada, os mesmos problemas extracampo… mas era o Paraná Clube em campo. E isso, naquele momento da vida, já era o mais importante para o torcedor paranista. O simples fato de ter montado um elenco e entrar em campo já era um triunfo gigantesco para um clube que, quando caiu da Série D em 2022, tenha quase
“namorado” com a chance de falir de vez.
Na chegada à Vila Capanema, uma espécie de filme passou pela cabeça. Ali, onde tantos craques que ajudaram a escrever a história do Paraná deram seu sangue, suor e lágrimas, agora alguns desconhecidos e buscando “um lugar ao sol” teriam a chance de atingir o objetivo primário, carregado pela pressão gigantesca da torcida e da imprensa: subir para a elite do futebol paranaense.
Poderia nem ser campeão, mas tinha de estar na grande final. Era a única chance. Ou chegava neste estágio, ou mais um vexame seria escrito. Era a linha que dividia o sucesso e o fracasso, extremamente tênue neste torneio.
Nos bastidores, confiança do Paraná Clube no acesso era grande
Nas conversas de bastidores, o clima era de euforia e ânimo. Eu, um jovem repórter, já começava a criar as minhas fontes e reforçar meus canais. No início, confesso, a recepção não foi da maneira que eu desejava. Precisei batalhar para ganhar a confiança das pessoas, que poderiam ser fontes valiosas de informação. Quando se ganha isso, começa-se a perceber muitas coisas.
A primeira delas era que a diretoria estava pra lá de confiante no trabalho, que, realizado de maneira intensa desde janeiro, tinha tudo para dar o resultado esperado. Essa confiança também ia ao encontro do treinador Marcão Skavinski, ex-jogador de futebol, que trazia no currículo a experiência de já ter conquistado o título da competição e a certeza que, guiado pelas suas origens de ligações afetivas com o Paraná, levaria o time à elite estadual.
Na estreia, uma vitória convincente sobre o frágil Toledo por 2×0 maquiou algumas questões, que nós, pelo menos por aquela semana pós-jogo, carregamos em nossos debates e análises. A primeira delas era de que o Paraná poderia (e tinha muita chance) de vencer o torneio com tranquilidade. Dependia só dele, especialmente se todos os outros rivais fossem do nível técnico do Toledo.
O segundo era da ligação de amor e sintonia que havia entre o time recém-formado e a torcida. Punida, ela não poderia entrar na Vila Capanema por cinco jogos. Mesmo assim, foi até os portões do estádio e fez uma bonita festa com os jogadores, antes e depois deste jogo. Filmei tudo. Mostrei, revi os vídeos, compartilhei… estávamos em pólvora com o time.
Sequências de empates começavam a preocupar
Às vésperas da segunda partida, contra o Andraus, a primeira polêmica vivenciada por mim. O adversário seria o mandante do jogo na Vila Capanema e se decidiu por abrir os portões do estádio. Os paranistas, por tabela, aproveitaram e fizeram uma linda festa no local. A decisão dos dois clubes, movida por negociações empresariais, enfureceu o TJD que, mais tarde, denunciaria as duas instituições por suposta inversão de mando (ambas foram absolvidas).
Durante aquela semana, corri muito para apurar os detalhes do acordo firmado. O jogo, vendido como uma grande festa, de fato, teve este clima. Isso antes. Durante, o Paraná decepcionou. Abriu 2×0 e permitiu o empate. Vaias, xingamentos e clima pesado na coletiva. Seria um presságio? Os atletas garantiram que não.
Depois, vei o PSTC, em Alvorada do Sul. Mesmo que, no geral, tenha tido uma boa apresentação, o Tricolor, mais uma vez, cedeu o empate em 2×2, no mesmo roteiro do que foi o duelo contra o Andraus. A chapa começava a esquentar.
Burburinhos e conversas de bastidores já tinham um tom de tensão em função da seca de duas partidas. O elenco treinava bem, mas, talvez por gatilhos emocionais, não segurava o resultado desejado em campo. A torcida também começou a perder a paciência. E aí o caldo azedou. Ao final da terceira rodada e já fora do G4, o Paraná já encontrava a pressão “negativa” do torneio.
Tropeços e derrotas minam trabalho e trocam comando no Paraná Clube
Se as duas semanas de empates já não tinham sido boas, o que dirá das duas que as sucederam? O empate em 1×1 com o fraco Grêmio Maringá e a derrota para o Apucarana por 1×0, ambos os jogos realizados na Vila Capanema, causaram, assim, a ira da torcida, que chegou a invadir o estádio e ameaçar profissionais da imprensa (um foi até agredido) e jogadores.
Estas foram, sem dúvidas, as semanas mais difíceis da cobertura. Ainda muito jovem, me via inserido em um contexto de resultados ruins em campo, desempenho fraco, ameaças de torcedores e demissão de treinador. Marcão foi desligado do cargo após derrota para o Apucarana, numa sexta-feira à noite.
A saída do cargo, já desenhada e até mesmo desejada por alguns (ainda poucos) dirigentes às vésperas deste fatídico jogo, colocaram mais lenha na fogueira. O final de semana foi muito intenso, para todos. Para mim especialmente. Desde a manhã de sábado comecei a apurar possíveis novos técnicos para o clube. Entre troca de mensagens, ligações, o celular me grampeou durante todo o fim de semana. O mistério era altíssimo.
Os especulados e favoritos ao cargo recusaram convites. Restava então correr atrás dos outros planos. Mas quem seria o escolhido? Eis que, após muitas ligações, chego, no domingo à noite, ao nome do desconhecido Fahel Júnior. Conversas informais me deram a confirmação de que ele seria o escolhido, mesmo que não tivesse o nome aprovado pela maioria dos torcedores paranistas.
Técnico desconhecido e reação inesperada reacendem expectativa
Fahel, que tinha trabalhos instáveis na carreira, tinha a difícil missão de evitar a eliminação precoce e classificar o time. Faltando quatro jogos, a responsabilidade era importante demais, mas também difícil de ser executada. Porém, o empate em 1×1 com o Laranja Mecânica e a suada vitória sobre o Iguaçu por 1×0, ambos fora de casa, deram um novo fôlego ao grupo.
A vitória por 3×0 sobre o Araucária em uma fria noite de sexta-feira aumentou a invencibilidade para três jogos, garantiu a inédita sequência de duas vitórias seguidas e, faltando nove dias, criou o roteiro para que o jogo contra o Patriotas fosse o mais decisivo e importante da história recente do clube.
A semana de trabalho mesclava a tensão com a confiança. Em conversas de bastidores, dirigentes e atletas me passavam a imagem de confiança. “Vamos passar!”, era o que mais me diziam.
Com um Paraná fechado para a imprensa, as “fontes” nos davam o clima do que estava acontecendo. Em uma semana tão importante, corri também para saber mais sobre o novato e surpreendente Patriotas, líder e já classificado. Por lá, o cenário era: foco total e, se eliminarmos o Paraná, será ótimo.
Decisão com o Patriotas era o jogo da vida do Paraná Clube
Eis que chega o esperado domingo, dia 25 de junho. Era vida ou a morte para o Paraná. Precisando vencer e torcer contra rivais diretos, o Tricolor tinha a faca e o queijo na mão. Bastava colocar no pão, mas não foi bem assim.
Os jogos começaram pontualmente às 15h e, na Vila, a tensão tomou conta dos dois times. O time paranista, que tinha tudo a perder, já começou perdendo. Minutos após Caio perder um pênalti, Castanha abriu o placar para os visitantes. Assim, isso não adiantava nada.
Se todo mundo ajudasse e o Paraná não fizesse sua parte, o que adiantaria? À minha frente, o goleiro Felipe estava sempre olhando para os repórteres atrás do gol. “Como estão os jogos?”, perguntava. Seu questionamento era o mesmo dos reservas.
Recebi muitos cutucões durante todo o jogo. As partidas de PSTC e Iguaçu eram importantes, mas não tanto como a do Apucarana, o rival mais direto. Os gols de Liliu e de João Gabriel deram ao Paraná a tão desejada virada. Pronto. A missão estava quase concluída. Para o Tricolor.
Em Alvorada, o PSTC já tinha colocado o Andraus na roda. Em Campo Largo, era inviável torcer para o Araucária contra o Iguaçu. O futuro do Tricolor estava nas mãos do Laranja Mecânica. Um gol do já eliminado time de Arapongas contra o Apucarana explodiria a Vila. E eles vieram. Dois. Vitória por 2×0 e celebração em campo e nos camarotes.
Castigo no último lance e um “silêncio ensurdecedor”
Os meros cutucões que eu recebia viraram vibrações enérgicas e abraços dos jogadores. Faltava muito, mas muito pouco. Era segurar o 2×1 e partir pro abraço. Era.
Aos 51 do segundo tempo, uma falta boba de Anderson Tanque deu a chance de ouro ao Patriotas. Neste momento, eu já tinha saído de trás do gol de Júlio César (goleiro do Patriotas) e ido perto do banco de reservas do Paraná. Quem estava lá, ficou louco com a marcação da falta e a sinalização de mais um minuto de acréscimo. Ainda sim, ela era despretensiosa. “Não vai dar em nada”, eu pensava.
Bastou um bate rebate, um chute rasteiro e um gol contra desastrado. Quando vi a bola subindo de maneira rápida e estufando as redes de Felipe, não dava pra acreditar.
Era o fim. 2×2 e Paraná eliminado no último instante. Foi inacreditável como vinte segundos tiraram os sorrisos para dar lugar às caras amarradas e choro descontrolado de alguns atletas. Era um vexame, não havia outra palavra. À beira do gramado, todos nós estávamos incrédulos. Havia uma certeza óbvia, construída também por um segundo tempo moroso, de que a vaga seria consumada ao Paraná. Mas num piscar de olhos, tudo terminou.
Houve atletas que precisaram de dez ou quinze minutos para ter forças, se levantar e ir ao vestiário. O choro de Liliu era o sentimento dos paranistas. Decepção, desilusão, angústia, tristeza absoluta. Teria tudo acabado?
Quando fui colocando minhas ideias no lugar, passei a temer um ataque da torcida. A imprensa, “vacinada” pelas experiências que tinha tido há algumas semanas, teve esse medo. Porém, não se ouvia nada depois do jogo. Nem o canto dos pássaros. Era apenas silêncio. Talvez o mais profundo deles.
Estava tudo quieto demais. Não haveria fogos? Gritos? Xingamentos? Ameaças? Não. Esse silêncio foi levemente quebrado por um motociclista, que buzinou fortemente em tom de protesto. E só. Não haveria coletiva, ninguém iria falar.
2023 chega ao fim. E o Paraná Clube?
Com a mesma intensidade que a preparação, em meados de março, começou ao Paraná, se findou naquele triste fim de tarde. Acabou. A partir do dia seguinte, não haveria mais time. Não haveria mais a chance de dar o “furo” na escalação, nem mesmo de ver convocação de entrevista coletiva no grupo da assessoria de imprensa. O tão sonhado reencontro com a torcida nos dois jogos das semifinais, que valeriam o acesso, não iria mais acontecer. Tudo desmarcado.
Há um culpado? Um não. Vários, sim. Os paranistas sabem quem são. Gostariam, porém, de contá-los apenas nos dedos. Mas a lista é tão extensa que, para não deixar ninguém de fora, só realizando anotações. O Paraná se destruiu pouco a pouco. Porém, quando era clube de Série B ou até mesmo de Série A do Brasileirão (2018), isso pouco era percebido e debatido.
Agora, tudo é diferente. Os tapas na cara da torcida (sempre carregados de notícias ruins, aumento de dívidas e negociação de bens) vêm quase todas as semanas. A aprovação da recuperação judicial e o olhar de que o futuro pode reservar a existência de uma SAF é uma esperança ainda longe de ser consumada.
O futuro é obscuro. Serão dez meses de jejum, sem jogos. A gralha paranista não morreu e talvez jamais morra. Mas ela está muito doente. O Paraná precisa de muita ajuda. Quem dará a mão?
* Lucca Marreiros é produtor e repórter do Esporte Banda B. Ele cobriu o Paraná Clube durante a segunda divisão.