Aline, Juliana, Marlene e Tatiana. Estas quatro mulheres têm mais de 40 anos de idade, sabem muito bem o que querem e acreditam que têm muito o que viver. Inclusive, por isso mesmo, resolveram voltar aos bancos acadêmicos, em busca de uma primeira, segunda e até terceira graduação de ensino superior.
E elas estão nem um pouco preocupadas em sofrer com o etarismo, conceito que volta e meia tem vindo à tona de algum tempo para cá, para explicar a onda de preconceitos e discriminações direcionados a pessoas com base na idade, conforme descrição da Organização Mundial da Saúde (OMS).
A última vez, de forma mais polêmica, foi por causa do vídeo de três universitárias de Bauru, no interior de São Paulo, que viralizou nas redes sociais. Nele, o trio proferia falas preconceituosas sobre uma colega de sala, que estava às vésperas de completar 45 anos. Dias depois ela fez aniversário e foi homenageada pelos colegas da turma.
As próprias garotas, que sugeriam que a aluna “velha” deveria se “desmatricular” do curso na universidade, por já ter idade para estar “aposentada”, acabaram desistindo de continuar na instituição. Foram elas as verdadeiras desmatriculadas, tamanha a repercussão negativa em todo país, visto especialmente em movimentos de apoio à estudante “fora do padrão” de Bauru.
Apesar da batida em retirada por livre e espontânea vontade das jovens, o mundo está atento e a informação é cada vez mais rápida e presente, por isso há que se pensar duas vezes antes de proferir comentários como deste tipo, sugere o advogado criminalista Caio Ponczek, professor de Direito Penal do Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA.
“Embora o Brasil ainda não tenha criminalizado o etarismo, falas como esta podem configurar o crime de injúria discriminatória ou até um crime contra a pessoa idosa, a depender da idade da vítima”,
diz o advogado.
Para além da esfera criminal, segundo Ponczek, situações como esta podem configurar danos morais. “O juiz pode fixar uma indenização para fins pedagógicos, para coibir novas condutas como esta. O ensino superior, que tem acadêmicos na faixa dos 17 aos 25 anos, em sua maioria, não tem qualquer limite de idade, ele pode ser de fato objeto de jovens adultos, local para pessoas de meia-idade ou pessoas idosas. O que se exige é justamente o respeito de um para com o outro”, diz.
Realidade cada vez mais comum
Cada vez mais se vê pessoas com uma idade acima do que se tem como um “padrão” ingressando nas universidades. E os motivos são inúmeros: seja por falta de oportunidades em anos anteriores, seja por compromissos com a maternidade e mesmo falta de interesse ou qualquer outra situação considerada prioridade.
“Hoje se trabalha numa lógica da necessidade de life long learnning, ou seja, você aprende ao longo da sua vida. Talvez, no passado, se fiz uma graduação, vou sempre trabalhar naquela área com o conhecimento que adquiri. Hoje o mundo é muito dinâmico, requer que as pessoas estejam em constante atualização. E as pessoas estão com um olhar mais interessante para fazer o que gostam. […] E quando a pessoa estuda o que gosta, ela faz com muito mais paixão, mais dedicação”, avalia o psicólogo Paulo Cesar Porto Martins, doutor em psicologia clínica e da saúde e professor do curso de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
Para ele, turmas com pessoas mais experientes pode ser muito mais interessante e enriquecedor do que se imagina.
“O jovem deve enxergar quando tem uma pessoa de mais idade na sala como uma oportunidade. A troca, a criatividade, a inovação acontecem quando temos perfis diferentes. O processo de inovação ocorre quando temos colisões improváveis. Pessoas diferentes, com idades e culturas diferentes, quando se juntam, o potencial de inovar é muito maior.”
O psicólogo explica que, quando nos deparamos com situações de preconceito, a ação tem como fundo um incômodo, que gera um sentimento de ameaça. “Quando a gente vê um preconceito com uma pessoa de 40 anos entrando em uma universidade, tem que ter um olhar para as pessoas que tiveram esse olhar de preconceito. O que será que está acontecendo, que estas pessoas estão tão fragilizadas, a ponto de agredir? Por que, diante da ameaça, o ser humano tende a recuar ou agredir?”
Melhor seria, diz Martins, o estudante mais novo tirar proveito da situação, como forma de aprendizado. “A trajetória de mercado, dificuldades e até a bagagem de experiência emocional deste colega com mais idade que ele”.
Amor pelos estudos
Juliana Fontanella de 48 anos, tem licenciatura em Letras e bacharelado em jornalismo e faz novo bacharelado, em Letras Português-Inglês, na Universidade Estadual de Maringá (UEM). Ela tem três diplomas de pós-graduação e um de mestrado. São 20 anos estudando sem parar.
“Eu amo. Sou nerd-raiz. Amo estudar, leciono também, então uma coisa tá explicada na outra. Assim que tiver doutorado EAD em escola pública, partiu. Só falta isso.”
A universitária garante que nunca sofreu preconceito entre os colegas mais novos e considera clichê falar em tempo.
“Sou de 1975. Em 1975, a realidade de uma mulher de 48 anos era ser avó, e Claudia Raia acabou de ter um bebê. Eu não vejo a necessidade de explorar o fator tempo. Tenho estudantes de 17 anos que são velhos, ranzinzas, dói pra viver, dói pra respirar, nada interessa. E conheço pessoas de 90 que estão ganhando master de natação. Precisamos parar de falar de tempo e começar a falar de vontade. A pessoa quer ser feliz? Ela toma uma decisão. Fazer o que te faz bem acaba com esse problema.”