Por THALES DE MENEZES
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O mais maldito dos chamados malditos da MPB, Walter Franco era um paradoxo. Um artista tranquilo, sereno, sempre bem-educado, boa-praça, mas capaz de despertar polêmicas e reações furiosas. Como as estrondosas vaias que o consagraram em 1972, no Festival Internacional da Canção. Foi ali que apresentou “Cabeça”, uma música adiante de seu tempo.
Walter Rosciano Franco morreu na madrugada desta quinta (24) em São Paulo, aos 74 anos, de consequências de um AVC. A família publicou a notícia em seu perfil nas redes sociais. Nos últimos anos, o cantor passou por cirurgias cardíacas, mas que não o impediram de seguir com a carreira. Fazia poucos shows, sempre lotados de fãs de várias gerações, e preparava um novo disco, que seria o sétimo da carreira e o primeiro em 18 anos.
O cantor e compositor paulistano sempre foi vanguarda, e talvez tenha sido a figura mais moderna da música brasileira nos anos 1970. Quando lançou “Ou Não”, seu álbum de estreia, em 1973, a crítica musical discutiu por muito tempo qual era o disco mais experimental e inovador da época: “Ou Não” ou “Araçá Azul”, que Caetano Veloso lançou no mesmo ano.
O choque de modernidade de Walter Franco começou no festival de 1972, quando “Cabeça” foi rechaçada violentamente pelo público. Uma “não canção”, delirante, com frases musicais interrompidas e versos quebrados, sobrepostos, confusos como seria uma cabeça de ideias incontroláveis.
O júri do festival, composto por Nara Leão, Décio Pignatari, Júlio Medaglia, Roberto Freire e Rogério Duprat, escolheu “Cabeça” como vencedora. Mas, com as vaias e a presença de censores e militares nos bastidores do evento, o júri foi simplesmente desfeito e o prêmio foi para a alegre “Fio Maravilha”, de Jorge Ben, defendida por Maria Alcina.
A repercussão abriu portas para o álbum de estreia. Na capa branca, apenas uma mosca no centro. Na contracapa, o título e só. Era pouca coisa por fora, mas dentro “Ou Não” trazia letras com influência da poesia concreta, músicas com algo de psicodelia, com espantosa convivência de complexidade sonora e simplicidade instrumental.
A faixa de abertura, “Mixturação”, já trazia uma característica marcante de Walter Franco, que é usar a voz como instrumento. Do sussurro ao grito primal, ia da vanguarda mais crua, em “Pátio dos Loucos”, até a engraçada “Xaxados & Perdidos”. E, claro, fechando o disco, “Cabeça”.
Dois anos depois, Walter lançou sua obra-prima, “Revolver”. O disco mostra faixas com mais cara de canções, algumas clássicas instantâneas, como “Eternamente” e sua curta e inventiva letra: “Eternamente/ É ter na mente/ Éter na mente/ Eterna mente”. Entraram para a história da MPB a poderosa faixa-título e o rock quase pesado de “Feito Gente”, que ganharia regravações de inúmeros artistas.
Na música “Revolver” já aparecia o estilo mântrico de várias composições do artista, estudioso de culturas orientais. Na letra, algum didatismo zen: “Lembrar de esquecer/ Esquecer de lembrar/ Cansar de dormir/ Dormir, descansar”.
Era um prenúncio daquela que seria sua canção mais famosa, “Coração Tranquilo”, gravada no álbum seguinte, “Respire Fundo” (1978). Tem apenas quatro versos, que costumavam ser repetidos dezenas de vezes pela plateia no encerramento de seus shows: “Tudo é uma questão de manter/ A mente quieta/ A espinha ereta/ E o coração tranquilo”.
Seu disco seguinte, “Vela Aberta” (1979), era um pouco voltado a uma música mais palatável. Não à toa, tem dois dos grandes hits do cantor: “Vela Aberta”, uma balada serena, e o rock pesadão “Canalha”, que rendeu a ele mais vaias poderosas em festival de música, da extinta TV Tupi.
Ambas se tornaram obrigatórias em seus shows, assim como “Serra do Luar”, sucesso na voz de Leila Pinheiro e mais um exemplo da poesia existencial de Walter Franco: “Viver é afinar o instrumento/ De dentro pra fora/ De fora pra dentro”.
Depois de um disco mais fraco, “Walter Franco”, em 1982, ele só gravaria novamente em 2001, com “Tutano”. O álbum mostrou seu trabalho a novas gerações, com participação especial de Arnaldo Antunes. Mas não significou uma retomada forte da carreira fonográfica.
A miopia do mercado fonográfico não conseguia encaixar Walter Franco. Passou por períodos de ostracismo, assim como Jards Macalé, Luiz Melodia, Jorge Mautner e outros gênios chamados de “malditos”, rótulo que todos eles sempre detestaram.
Nos anos seguintes, Walter trabalhou ligado a arrecadação de direitos autorais, na entidade Abramus, e fez shows esporádicos. Manteve uma banda fixa desde 2015 e quase sempre era acompanhado nos shows por Diogo Franco, cantor, compositor e um de seus quatro filhos.
Todas as vezes em que subia ao palco, exibia seu paradoxo: a agressividade crua de “Canalha” e a singeleza carinhosa de “Coração Tranquilo”.