A languidez pueril pelo olhar penetrante de Brune Motta é um eixo evidente que a conduz ao enredo de seu próprio talismã. Para desbravar as fronteiras da palavra escrita e cantada, Brune teve que dar de cara com as intempéries da vida: a eterna quarentena, fim de relacionamento, crise artística e, claro, celular roubado – quem nunca?. Com esta crônica delirante do cotidiano – e pelo seguro recebido após o roubo – é assim que nasce Ametista, o EP que além de tudo isso, passou por vários logradouros até ser lançado no sul do Brasil.

“Escrevia poesia desde os 15 anos e também sempre cantei, mas eu não pensava que poderia compor, por nunca ter estudado música formalmente”, revela Brune. (Foto: Ácida Produtora/Divulgação)

No dia seguinte após o lançamento eu fiquei no quarto com as luzes apagadas” revela Brune, por chamada telefônica, com exclusividade ao Música é o Canal sobre o seu début na discografia dos streamings com o EP distribuído pela Tratore.

Em pouco mais de 30 minutos, Brune falou como desbundou por Minas, Recife e Salvador até começar a gravação do EP em Curitiba. Também revela sobre a caótica divulgação pelas redes sociais têm consumido o desenvolvimento e a criação artística. Direto ao ponto, Brune diz que os haters são necessários. E deixa claro, para estar na arte a coragem não é privilégio e sim, ato de determinação.

Realmente é complicado. Me sentia exaurida. São muitas frentes para dar conta. Eu ficava seis horas trabalhando por dia no Instagram. Hoje em dia, não basta você ter apenas música”, desabafa.

Da foto que dá capa ao EP, Brune reuniu grandes nomes da atual cena da música brasileira. A produção de “Ametista” é de Leonardo Gumiero, expoente de Curitiba. (Foto: Ácida Produtora/Divulgação)

Dona de si, Brune tomou a decisão de pegar a estrada quase que paralelamente à pandemia. Além dos pertences óbvios, o violão foi a tiracolo. Passou pelo centro-oeste e nordeste. No meio do caminho, nada de perrengue chique, e sim, um roubo. Sem o celular, início pandêmico, e como não conhecia muitas pessoas nos destinos finais, resolveu desembarcar, novamente, em Curitiba, onde renderia alguns frutos além do pinhão.

Poeta desde os 15 anos, com experiências no Uruguai, Argentina e Bolívia – em flerte fatal com o canto e aspirações musicais desde a adolescência -, além de todo o repertório cultural latinoamericano em sua trajetória, na bagagem de Brune, também havia espaço para relações abusivas.

“ (…) me relacionei com pessoas da música, e a maior parte desses relacionamentos foram abusivos e, por vezes, agressivos. E de certa forma, eu também sempre ficava esperando uma certa aprovação externa desses relacionamentos. Alguns anos atrás, eu não entendia porque sempre estava perto de músicos e hoje entendo que é porque queria estar fazendo aquilo, existia uma admiração da minha parte”, expõe Brune via assessoria de imprensa pela badalada, Build Up Media.

E desta relação próspera com artistas da música, quando Brune decide realizar o EP e assumir definitivamente a cantautora além da poeta, inesperadamente, recebe a ligação da seguradora do seu celular que havia sido roubado lá, em outros carnavais. E se a vida é a arte do encontro, foi assim que Ametista começa a ser viabilizada.

Foi a minha primeira experiência em estúdio. O Leonardo Gumiero foi muito paciente. Conversamos muito sobre a poética do som. Eu tenho essa relação forte com a poesia”, atribui a multiartista sobre a vivência com produtor musical responsável pelo EP.

” (…) ‘Ametista’ representa para mim, uma jornada de cura, de descoberta, de construir algo que é meu, de acreditar em mim e na minha voz”, resplandece. (Foto: Ácida Produtora/Divulgação)

Leonardo Gumiero é um nome que surge de forma pontual e recorrente ao longo da pré-produção de Ametista. Brune recebeu a indicação por diversos profissionais da música. Ele já assinou parcerias com Dayá, ímã, Roseane Santos, Trem Fantasma, Ankou, katze, Farol Cego, entre outros.

Sobre o EP

Em Ametista, a intensidade sonora é a responsável pelo imagético de todo o itinerário afrontado por Brune. Se endurecer sem perder a ternura pode soar banal diante de tantos automatismos diários, a relação genuína entre Gumiero e Brune, fomentaram no EP, eventualidades fatídicas em um rompante musical intrínseco.

O EP apresenta sete faixas onde Brune abre o coração e faz a roda girar em uma viagem sonora que vai do orgânico ao eletrônico. Saindo da obviedade do pop-rock, como em Estrelas de Neonfaixa lançada em single e clipe com direção de Brune em parceria com a Ácida Produtora.

A sonoridade do EP é um desbravar único quanto conceito. Mas, faixa a faixa, o projeto também ganha potência e identidade. A dançante Amargo Sabor faz fusão entre os clichês do lovesong e ascende pela sonoridade do tech e acid house.

‘Amargo Sabor’ foi a gravação mais complicada entre as faixas. Além de ter sido a última a entrar no EP, também é a música com o compasso mais difícil“, revela.

Na sequência, o fôlego de Tormenta coloca a cantautora em conexão com sua veia poética em meio à ruídos da música noize. Entre as participações, o teclado de klüber ecoa vertiginosamente na percussão de Medusa, com refrão e ponte penetrante:

tento falar mais a fronteira é maior
tento falar mais a fronteira é maior
e a palavra esgota
tudo que encontra
tudo que contrai


(Trecho da canção Medusa – composição de Brune)

A percussividade ganha peso com o pagode manifesto de Vênus Peregrina onde Brune escancara a sua evolução pessoal absorvida por todos malefícios tóxicos de relações passadas, e se deleita ao pandeiro e cavaco de Kelvin de Souza.

E para fincar seu patuá, passando longe das costelas de Adão – como ela canta e desmistifica na faixa-título de sua própria história – a filha de Ogum abre os caminhos e faz referência à sua própria jornada, em Ametista.

O EP Ametista (2021) conta também com as participações de artistas proeminentes desta nova geração. Entre eles, Aline Provensi – baixo em Estrelas de Neon e Ametista; Bruna Krauzebacking vocal em Estrelas de Neon; Day Camargo – cello em Tormenta e Medusa; Francisco Okabe – flauta em Vênus Peregrina; Matheus Mottabacking vocal em Vênus Peregrina; Klüberbacking vocal e teclado em Medusa e Amargo Sabor e Yuri Grigoletti com sax em Estrelas de Neon.