A languidez pueril pelo olhar penetrante de Brune Motta é um eixo evidente que a conduz ao enredo de seu próprio talismã. Para desbravar as fronteiras da palavra escrita e cantada, Brune teve que dar de cara com as intempéries da vida: a eterna quarentena, fim de relacionamento, crise artística e, claro, celular roubado – quem nunca?. Com esta crônica delirante do cotidiano – e pelo seguro recebido após o roubo – é assim que nasce Ametista, o EP que além de tudo isso, passou por vários logradouros até ser lançado no sul do Brasil.
“No dia seguinte após o lançamento eu fiquei no quarto com as luzes apagadas” revela Brune, por chamada telefônica, com exclusividade ao Música é o Canal sobre o seu début na discografia dos streamings com o EP distribuído pela Tratore.
Em pouco mais de 30 minutos, Brune falou como desbundou por Minas, Recife e Salvador até começar a gravação do EP em Curitiba. Também revela sobre a caótica divulgação pelas redes sociais têm consumido o desenvolvimento e a criação artística. Direto ao ponto, Brune diz que os haters são necessários. E deixa claro, para estar na arte a coragem não é privilégio e sim, ato de determinação.
Dona de si, Brune tomou a decisão de pegar a estrada quase que paralelamente à pandemia. Além dos pertences óbvios, o violão foi a tiracolo. Passou pelo centro-oeste e nordeste. No meio do caminho, nada de perrengue chique, e sim, um roubo. Sem o celular, início pandêmico, e como não conhecia muitas pessoas nos destinos finais, resolveu desembarcar, novamente, em Curitiba, onde renderia alguns frutos além do pinhão.
Poeta desde os 15 anos, com experiências no Uruguai, Argentina e Bolívia – em flerte fatal com o canto e aspirações musicais desde a adolescência -, além de todo o repertório cultural latinoamericano em sua trajetória, na bagagem de Brune, também havia espaço para relações abusivas.
“ (…) me relacionei com pessoas da música, e a maior parte desses relacionamentos foram abusivos e, por vezes, agressivos. E de certa forma, eu também sempre ficava esperando uma certa aprovação externa desses relacionamentos. Alguns anos atrás, eu não entendia porque sempre estava perto de músicos e hoje entendo que é porque queria estar fazendo aquilo, existia uma admiração da minha parte”, expõe Brune via assessoria de imprensa pela badalada, Build Up Media.
E desta relação próspera com artistas da música, quando Brune decide realizar o EP e assumir definitivamente a cantautora além da poeta, inesperadamente, recebe a ligação da seguradora do seu celular que havia sido roubado lá, em outros carnavais. E se a vida é a arte do encontro, foi assim que Ametista começa a ser viabilizada.
“Foi a minha primeira experiência em estúdio. O Leonardo Gumiero foi muito paciente. Conversamos muito sobre a poética do som. Eu tenho essa relação forte com a poesia”, atribui a multiartista sobre a vivência com produtor musical responsável pelo EP.
Leonardo Gumiero é um nome que surge de forma pontual e recorrente ao longo da pré-produção de Ametista. Brune recebeu a indicação por diversos profissionais da música. Ele já assinou parcerias com Dayá, ímã, Roseane Santos, Trem Fantasma, Ankou, katze, Farol Cego, entre outros.
Sobre o EP
Em Ametista, a intensidade sonora é a responsável pelo imagético de todo o itinerário afrontado por Brune. Se endurecer sem perder a ternura pode soar banal diante de tantos automatismos diários, a relação genuína entre Gumiero e Brune, fomentaram no EP, eventualidades fatídicas em um rompante musical intrínseco.
O EP apresenta sete faixas onde Brune abre o coração e faz a roda girar em uma viagem sonora que vai do orgânico ao eletrônico. Saindo da obviedade do pop-rock, como em Estrelas de Neon – faixa lançada em single e clipe com direção de Brune em parceria com a Ácida Produtora.
A sonoridade do EP é um desbravar único quanto conceito. Mas, faixa a faixa, o projeto também ganha potência e identidade. A dançante Amargo Sabor faz fusão entre os clichês do lovesong e ascende pela sonoridade do tech e acid house.
“‘Amargo Sabor’ foi a gravação mais complicada entre as faixas. Além de ter sido a última a entrar no EP, também é a música com o compasso mais difícil“, revela.
Na sequência, o fôlego de Tormenta coloca a cantautora em conexão com sua veia poética em meio à ruídos da música noize. Entre as participações, o teclado de klüber ecoa vertiginosamente na percussão de Medusa, com refrão e ponte penetrante:
tento falar mais a fronteira é maior
tento falar mais a fronteira é maior
e a palavra esgota
tudo que encontra
tudo que contrai
(Trecho da canção Medusa – composição de Brune)
A percussividade ganha peso com o pagode manifesto de Vênus Peregrina onde Brune escancara a sua evolução pessoal absorvida por todos malefícios tóxicos de relações passadas, e se deleita ao pandeiro e cavaco de Kelvin de Souza.
E para fincar seu patuá, passando longe das costelas de Adão – como ela canta e desmistifica na faixa-título de sua própria história – a filha de Ogum abre os caminhos e faz referência à sua própria jornada, em Ametista.
O EP Ametista (2021) conta também com as participações de artistas proeminentes desta nova geração. Entre eles, Aline Provensi – baixo em Estrelas de Neon e Ametista; Bruna Krauze – backing vocal em Estrelas de Neon; Day Camargo – cello em Tormenta e Medusa; Francisco Okabe – flauta em Vênus Peregrina; Matheus Motta – backing vocal em Vênus Peregrina; Klüber – backing vocal e teclado em Medusa e Amargo Sabor e Yuri Grigoletti com sax em Estrelas de Neon.