THALES DE MENEZES
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Para os críticos mais ranzinzas, M. Night Shyamalan é o Orson Welles dos tempos modernos. O diretor de “Cidadão Kane” nunca conseguiu repetir nos filmes seguintes o impacto dessa estreia. Shyamalan estaria condenado a tentar no resto da carreira repetir a imensa repercussão de seu primeiro filme, “O Sexto Sentido”.
Nessa “missão”, o diretor americano nascido na Índia tem criado grandes filmes intercalados com alguns fracassos de crítica e público. “Tempo”, que chega agora aos cinemas, é seu melhor resultado, mesmo batendo na trave na tentativa de ser igualado a “O Sexto Sentido”.
O novo filme é baseado numa graphic novel, “Castelo de Areia”, escrita por Pierre Oscar Lévy e desenhada por Frederik Peeters. O roteiro do longa mostra como Shyamalan é sempre feliz reunindo duas de suas paixões, cinema e quadrinhos, como já fez em “Corpo Fechado” e “Vidro”.
Tudo que a inventiva HQ tinha de bom está na tela –é possível conferir por que a editora Tordesilhas está relançando “Castelo de Areia” no Brasil. O diretor consegue adaptar as boas situações do enredo da graphic novel para o ritmo das imagens em movimento. Algumas de suas sequências são dignas de um manual de cinema de suspense.
O mexicano Gael García Bernal e a luxemburguesa Vicky Krieps interpretam Guy e Prisca, um casal em crise que viaja a um paraíso tropical com os filhos pré-adolescentes, Maddox e Trent. Vencedores de um sorteio, vão passar alguns dias num hotel incrível.
O gerente do lugar se mostra muito simpático a eles e dá uma dica que, segundo ele, não é para qualquer hóspede. Então revela a existência de uma praia deserta de difícil acesso, que será uma experiência inesquecível para todos. Na manhã seguinte, os pais e os garotos partem para passar o dia no lugar.
Deixados na trilha da praia por uma van do hotel, chegam lá e encontram o médico Charles, que está ali passando férias com a mulher Chrystal, uma dondoca obcecada pela própria beleza, a filha pequena do casal, Kara, e a avó da menina.
Depois, chegam por ali o enfermeiro Jarin e sua mulher Patricia, psicóloga. Já está andando pela mesma praia um sujeito esquisitão, sozinho, que a garota Maddox reconhece ser um rapper de sucesso, Mid-Sized Sedan.
Logo os visitantes encontram o corpo de uma mulher afogada. O rapper parece ter ligações com ela, mas sua história é um tanto nebulosa. Então as coisas realmente assustadoras começam a acontecer.
Os personagens levam tempo a perceber o que está havendo, mas para o espectador a compreensão é clara. Naquela praia, o tempo passa de forma mais acelerada. Todos eles estão envelhecendo rapidamente. Num determinado momento do filme, vão chegar à conclusão que a cada hora eles envelhecem cerca de dois anos. Ao tentar sair do lugar, vão perceber que não será nada fácil. A trilha pela qual vieram está inacessível e as fugas fracassam.
É nessa parte central da história que o filme tem seu maior encanto. Aterrorizados, cada um tem, de uma forma ou de outra, um questionamento existencial nesse apuro em que estão metidos.
Dúvidas e incertezas que assolam as pessoas gradativamente durante várias décadas chegam juntas em poucas horas.
Maquiagem e efeitos visuais são pilares essenciais de uma produção como essa, e os resultados são fantásticos. O trabalho de computação para envelhecer o corpo de Chrystal, que passa o filme inteiro de biquíni, impressiona. Há também acertos na escolha dos atores que interpretam Trent e Maddox, que aparecem em várias fases de infância, adolescência e vida adulta.
Shyamalan consegue imprimir ao filme sequências que misturam gêneros bem distintos. “Tempo” começa como suspense de ficção científica, algo para satisfazer órfãos de “Lost”. Depois, ganha contornos de experiência existencial de discussões filosóficas sobre a vida, atingindo uma boa profundidade nesse debate para o esperado em um filme estritamente comercial. Por fim, incorpora sequências de puro terror, com momentos angustiantes.
Existe um motivo para não equiparar “Tempo” a “O Sexto Sentido”, obra-prima do diretor. Os minutos finais mostram uma solução meio frouxa. Não ao explicar o segredo por trás do que está acontecendo naquela praia deserta, mas na falta de uma carga dramática.
Para um filme tão envolvente e surpreendente, algo mais emocionante era esperado na conclusão.
De qualquer forma, o ótimo “Tempo” é um dos melhores programas de cinema de 2021. Um filme para ver e rever.
TEMPO
Quando: Nos cinemas a partir desta quinta (29)
Elenco: Gael García Bernal, Vicky Krieps, Rufus Sewell
Produção: EUA, 2021
Direção: M. Night Shyamalan
Avaliação: Ótimo