LEONARDO SANCHEZ

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma criatura marinha encontra relíquias humanas que submergiram acidentalmente. Ela olha para elas, fascinada, e sonha com o dia em que enfim poderá conhecer a superfície –apesar dos apelos de sua família para que ela não se aproxime dos temíveis humanos. A premissa pertence a um clássico da Disney, “A Pequena Sereia”, mas também serve para explicar “Luca”, nova animação da Pixar que chega agora ao Disney+.

Aqui, o personagem-título não é um “sereio” –ou melhor, um tritão–, mas um monstro marinho de 13 anos que habita os mares da Riviera Italiana. Ali perto fica uma cidadezinha humana adornada com estátuas e quadros de monstros marinhos sendo massacrados –as lendas dizem, e muitos acreditam, que os seres de fato existem e são uma ameaça.

Mesmo assim, Luca decide explorar a superfície acompanhado de um novo amigo, Alberto, graças à habilidade dessas criaturas de assumirem a aparência de humanos uma vez fora da água. Saem as escamas, barbatanas e caudas e entram em cena braços e pernas que precisam ser domados com certa dificuldade.

Fora do mundo anglófono e da Europa pasteurizada de outrora, “Luca” faz parte de um esforço recente da Disney de diversificar suas histórias. O italianismo dos personagens transborda, de forma autêntica, divertida e sem comedimento. Eles têm sotaques carregados e mãos inquietas, enquanto o cenário é de uma cor viva, com arquitetura que remete à cidade de Gênova. “Santo Pecorino” e “Santa Mozzarella” estão no menu de expressões cunhadas por uma das personagens a partir de queijos locais.

“Isso sempre foi muito importante. Parte disso foi solucionado usando minhas memórias, e quanto mais detalhes eu conseguia trazer para a história, mais autêntica ela ficava”, diz Enrico Casarosa, diretor de “Luca”.

Para fugir de estereótipos e alcançar o clima mediterrâneo que queria, ele recorreu não apenas a seu passado genovês, mas também a pequenos conselhos da Pixar formados por italianos e seus descendentes, a uma dramaturga nascida no país e à divisão da Disney na Itália, com a qual organizou “um simpósio de gesticulação pelo Zoom para saber como os personagens deveriam dizer certas coisas”.

Casarosa é parte de uma turma da Pixar que, por anos trabalhou em cargos menores no estúdio e, agora, é alçada a postos de maior influência. Membro do departamento de arte de filmes como “Ratatouille” e “Viva: A Vida é uma Festa”, ele assume seu segundo trabalho como diretor –o primeiro foi no curta “A Lua”, também da Pixar, de 2011.

Para a ambientação da história, Casarosa não economizou nos clássicos do repertório italiano. Gianni Morandi, Rita Pavone, Mina Mazzini e até Giacomo Puccini sonorizam a jornada de Luca e Alfredo. Dado o romance intrínseco ao cancioneiro do país, era de se esperar que a relação de amizade dos protagonistas fosse interpretada como algo mais.

É o que vem acontecendo nas redes sociais desde o lançamento do trailer de “Luca”. Houve quem comparasse o filme a “Me Chame pelo Seu Nome”, novo clássico gay, por causa da ambientação na Itália. Já a premissa de um menino que precisa esconder quem realmente é para ser aceito também vem sendo lida como uma alegoria LGBT.

Tanto que essa teoria chegou a Casarosa, que concorda que a questão identitária é muito importante para a trama. Mas ele diz que não, esse não é um romance. A história diz respeito a um período da vida anterior ao amor romântico, mais inocente, uma idade em que tudo é muito intenso.

“Essas teorias mostram o quanto nós queremos representatividade, mas não foi dessa forma que essa história nasceu”, afirma. “O que eu amo nesse filme é o fato de os personagens terem esse sentimento de serem diferentes, oprimidos, o que faz desse um longa sobre encontrar confiança para ser quem você é.”

“Então eu entendo por que as pessoas estão interpretando ‘Luca’ assim, embora o filme não tenha sido pensado dessa maneira. Mas eu espero que ele dialogue com as várias formas como nós não nos sentimos vistos.”

É fácil comparar “Luca” à vivência LGBT. Vários diálogos no filme parecem ter sido escritos para fazer um aceno a esse público, em paralelo às inúmeras cobranças de fãs da Disney por representatividade nas telas.

“Algumas pessoas jamais irão aceitá-lo, mas algumas vão”, “minha família ia me mandar para um lugar horrível, longe de tudo o que eu amo”, “se alguém fosse um monstro marinho, eu duvido que sua escola o aceitaria”.

Essas são algumas das falas que devem engrossar as teorias internautas depois que o longa chegar ao público neste Mês do Orgulho LGBT.

Por enquanto, pelo menos oficialmente, “Luca” continua sendo uma história sobre a inocência da infância e o poder da amizade, embrulhada num berrante vermelho e verde e com muitas menções a diferentes tipos de macarrão.

LUCA
Quando: Estreia nesta sexta (18), no Disney+
Preço: R$ 69,90
Produção: EUA, 2021
Direção: Enrico Casarosa