POR FÁBIO ZANINI – SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
Em eventos conservadores do Brasil pré-pandemia, nas lojinhas de souvenires que expõem de canecas com o rosto de Ronald Reagan a livros denunciando o comunismo, um dos campeões de vendas sempre foi a camiseta com o slogan “Olavo Tem Razão”.
O bordão agora virou nome de um documentário em fase final de produção, que o cineasta Mauro Ventura, 48, pretende lançar no segundo semestre de 2021, se a Covid-19 der uma trégua.
É, na definição de Ventura, uma tentativa de “repor a verdade” sobre a figura que simboliza a ascensão do conservadorismo brasileiro na última década e é a referência maior dos bolsonaristas (ainda que poucas coisas provoquem reação mais irada de Olavo do que ser chamado de ideólogo do atual governo).
Justamente por essas características, o filósofo se tornou o alvo principal dos adversários do presidente. “Queremos apresentar uma versão real do Olavo”, diz Ventura, aluno dos cursos do filósofo há 12 anos.
“Existe o Olavo espantalho, o personagem criado pela mídia, e a pessoal real que acorda, toma café, dá uns tiros no seu estande, estuda, fica doente”, afirma.
Em resumo, um senhor de 73 anos que desde 2005 vive no estado americano da Virgínia e recentemente teve problemas pulmonares que o levaram a largar o hábito de fumante inveterado, para surpresa dos amigos. “Ele está aguentando bem, dizia que fumava só por frescura”, afirma Ventura.
Olavo não é apenas isso, como sabemos. É também o guerreiro ideológico, que denuncia o que enxerga ser a dominação esquerdista no meio cultural e na imprensa, ataca os militares que cercam o presidente e tem uma penca de seguidores no governo.
E ainda milita contra o consenso científico no combate à pandemia, minimiza as estratégias de isolamento social, promove tratamentos sem eficácia comprovada e desfila um vasto arsenal de impropérios contra seus adversários, frequentemente descambando para o palavreado chulo e até escatológico.
Para o cineasta, muitas das críticas ao filósofo são resultado da falsa representação de ideias que ele defende. “A gente já tem um roteiro de como as pessoas o atacam. Pegam declarações dele que têm respaldo na realidade, mas são extraídas de forma distorcida e usadas como difamação”, afirma.
Há diversos exemplos, diz ele. A acusação de que Olavo seria terraplanista, por exemplo, não se sustenta. “Ele tem um globo terrestre lindo em seu escritório que sempre consulta”, diz.
Essa acusação, segundo Ventura, veio de uma fala em que Olavo citou alguns fatos que o consenso científico ainda não consegue explicar.
“Sabe-se que o raio laser não faz curva. Mesmo assim, você consegue localizá-lo a quilômetros de seu ponto de partida, atingindo um anteparo. Isso não deveria acontecer, porque seria bloqueado pela curvatura da Terra”.
Ou seja, bastou Olavo citar um fato ainda sem explicação para ser chamado de terraplanista, afirma Ventura.
Outro exemplo, diz o cineasta, é dizer que ele é guru de Bolsonaro. “Ele teve três encontros com Bolsonaro na vida, sendo que o mais longo durou cinco minutos”.
O fato de haver diversas pessoas no governo que são assumidamente seguidoras do filósofo não muda esse fato, para o cineasta. “Mais de 20 mil pessoas já passaram pelos cursos do Olavo. Então você vai encontrar alunos dele em vários lugares”.
Da mesma forma, o filósofo não é um negacionista da pandemia, garante Ventura. “Uma coisa que ele questiona são as classificações de mortes por Covid. O que ele diz é que você nem sempre morre de Covid, mas das complicações provocadas pela Covid”.
Este será o quinto filme com a presença de Olavo que tem as digitais de Ventura. Antes, dirigiu “Bonifácio”, sobre o Patriarca da Independência, “Milagre” e o curta-metragem “O Imbecil Coletivo”, além de ter sido assistente de direção em “Jardim das Aflições”. Todos contam com depoimentos do filósofo.
O que o atrai pela obra do escritor, diz Ventura, é o fato de ser uma “figura ímpar”. “Se não é impar, é muito difícil de se encontrar. Ele consegue transformar a vida de muitas pessoas. Como ele diz, a pessoa pode ficar mais inteligente entrando em contato com ele ou enlouquecer”, diz.
Olavo, afirma o diretor, consegue mover pessoas para uma direção diversa da consensual. “Ele vai na contramão da inércia dos nossos tempo. A gente hoje vê hedonismo, degradação da personalidade humana. Olavo está num caminho contrário, com muita força. E faz isso sozinho”.
O filme vem sendo financiado por uma campanha de crowdfunding, sem outras fontes públicas ou privadas. A meta é levantar R$ 385 mil, e até esta terça-feira (30) já haviam sido arrecadados 77%, segundo o site do projeto.
A estratégia de arrecadação prevê seis faixas de contribuição, começando em R$ 39. Nas três mais altas, a partir de R$ 549, há um bônus inusitado para o apoiador: a chance de participar de um sorteio para ser entrevistado no próprio documentário.
Segundo o cineasta, cerca de 1.800 pessoas já contribuíram para o projeto, o que mostra a popularidade de Olavo. Destas, cerca de 150 se credenciaram a participar do sorteio. “Entendo que todas as pessoas que contribuíram são admiradores do Olavo e por isso poderiam dar um depoimento importante para o filme”.
O cerne do documentário é um depoimento colhido em janeiro com Olavo. Por causa da pandemia, Ventura precisou contratar uma equipe de filmagem nos EUA, enquanto ele fez uma direção “remota”. Foram quatro sessões, somando cinco horas, em que Olavo fala de filosofia, sua carreira e dos ataques que sofre.
O documentário será complementado por depoimentos de admiradores, alunos e leitores, que Ventura quer tomar pessoalmente, assim que a situação da Covid melhorar. “Provavelmente terei material para vários extras”.
Ele afirma que tem conversado com representantes de cinemas para um lançamento nacional, além de disponibilizar o filme em streaming. E se diz preparado para sofrer críticas e até possíveis ataques, como já ocorreu na exibição de outras produções suas anteriores.
Se as pessoas assistirem ao documentário sem preconceito, acredita Ventura, perceberão como a imagem que têm de Olavo é equivocada.
“O Olavo que fala palavrão, xinga, é um personagem. É talvez a pessoa mais doce que eu conheço no trato pessoal”, afirma.
Não é o que mostram, claro, algumas reações suas extremadas contra adversários, incluindo jornalistas e artistas, frequentemente xingados ou humilhados.
“Ele acredita que com determinado segmento político não há meias palavras. Você só consegue responder no nível correto se utilizar palavrões”, justifica Ventura.